2006-04-14

O Seqüestro da Culpa

Orfeu Negro (veja aqui) provavelmente não tinha a intenção de iniciar a reviravolta. Talvez ao fazer este filme a idéia tenha sido colocar os problemas de maneira mais romântica, para que espíritos nobres pudessem ser sensibilizados e ajudassem. Mas não se deve ajudar a quem não pede ajuda (aqui). O motivo principal é que quem não se digna a pedir ajuda não tomou ainda consciência do próprio problema, e a probabilidade da ajuda ser bem sucedida é muito baixa. Por outro lado, o filme pode ter ajudado a posicionar a favela de forma a poder ser utilizada como uma espécie de eldorado, um ideal de pureza a ser perseguido.

Eu acho que as favelas deveriam ser demolidas e ponto. Destruídas, e substituídas por algo útil. As pessoas devem ser colocadas em conjuntos habitacionais com endereço e segurança do Estado. Os traficantes, presos. Entretanto, no Brasil, isto é Tabu: quem realmente detêm o poder as usa como trampolim eleitoral, refúgio do tráfico, centro de recrutamento de mulas e por aí vai. Querendo ou não Orfeu Negro iniciou um caminho que não devia ter sido começado: a eternização da favela como ápice da cultura nacional.

O velho pensamento de esquerda, com a sua lógica furada da luta de classes, quer que os tem algo carreguem a culpa de outros não terem. A eternização da pobreza interessa aos que querem o poder de transferir renda, que querem o agenciamento da transferência forçada dos ricos aos pobres. Não é um agenciamento desinteressado: em troca querem o poder absoluto. A culpa atribuída aos que tem algo é uma ferramenta que usam em seu favor: tentam usá-la como arma de propaganda para tentar angariar apoio entre os que acabam por se sentir culpados.

A verdade é que os ricos são a força do progresso do mundo. É algo tão óbvio que não sei como no Brasil ninguém parece entender. Como exemplo, pensemos o que teria acontecido na terra de Macunaíma se ela não tivesse tido contato com o mundo até hoje. Idílico éden ou índios vivendo em ocas e morrendo aos 14 anos depois de parirem 5 vezes? O caminho do progresso não tem volta, isso porque é melhor que o que havia antes. Hoje, sem contato com o exterior, no Brasil não existiriam carros, nem casas, computadores, estradas, agricultura, tratores, tudo que é relacionado com tecnologia. Na verdade, gostaria que alguém me indicasse algo que foi inventado ou descoberto no Brasil. E não me venham com Santos Dumont, que era francês e cujos trabalhos desenvolveu na França.

Se pensarmos em ricos e pobres em uma sociedade é ainda mais óbvio: as necessidades de ricos são o ganha-pão dos pobres. Se todo mundo precisar apenas de uma cesta básica, a economia entra em colapso. Que o diga Cuba. Sem necessidades sofisticadas, toda a estrutura do sistema econômico converte-se em nada. Se houver demanda de iates, alguém precisa construí-los, pintá-los, fazer manutenção, instalações elétricas, painéis solares, eletrônica, radar e por aí vai. O que os brasileiros não entendem é que se todo mundo se contentar com a cesta básica, nem isso vão conseguir. É Economia básica. Em Cuba falta até sabonete e as pessoas se matam para atravessar para Miami em balsas feitas com sacos de lixo. Culpam os EUA porque eles não compram o açúcar e os charutos cubanos. Não creio ser este o problema.

O jogo da culpa tem um componente nefasto: só sente culpa quem é capaz de sentimentos mais elevados. A batalha é desleal. Perde quem sente. Quem quer incutir culpa não só é insensível mas não tem absolutamente nenhuma ética ou moral. É o fim do lixo. São criminosos que estão mais próximos da bestialidade, mas que percebem que podem manipular. Em sua frieza sentem ódio, porque se sabem inferiores aos que sentem de verdade. Manipular e tirar é o que lhes resta. Não se pode aprender a sentir, uma vez adulto.

A culpa é de quem cede. É de quem entra no jogo de aceitar as vantagens oferecidas pelo sistema podre. É de quem não reclama. Quem não exige que haja lei. De quem não se importa se não é cumprida. De quem se deixa usar. E de quem aceita atenuar seu próprio sentir, amortecendo-o para se igualar àqueles que o manipulam. Destes é a culpa.











3 comentários:

Anônimo disse...

Olha Zappi, eu acho que é um pouco diferente. Você disse que são os poderosos que fazem as coisas serem do jeito que são. Eu acho que os detentores do poder são apenas nossos representantes. Não é necesário que se tenha um mandato para que se seja oportunista. Pegue por exemplo o bilhete-único. Esse sistema foi criado para facilitar a vida da população e tentar melhorar a nada confortável situação do transporte público. E não é que, em apenas alguns dias de uso, já apareceram gaiatos vendendo o mesmo bilhete único pra diversas pessoas? O cara passa pela catraca e devolve o bilhete pela janela pro cara que vendeu o bilhete. Aí vem outro "usuário" e faz a mesma coisa. Isso acaba por prejudicar o serviço de que ele é dependente. É ou não é burrice?
Outro exemplo: estava eu no supermercado e vi uma sehora de aparência bastante respeitável pegar e comer um chocolate enquanto fazia as suas compras. Ora, isso é roubo! Imagina se ela tiver um cargo público, o que ela seria capaz de fazer? Se ela rouba um chocolate...
Exemplos não faltam, desde o sujeito que abre a janela de seu carro importado, todo blindado, pra jogar na rua um saco de lixo cheio de porcarias, até o cara que invade local público (ou mesmo privado) pra morar.
Não adianta demolir favelas se continuarmos a (des) educar as pessoas dessa maneira. A solução vem da educação, da cidadania, do conceito de que todos somos responsáveis pelo que acontece. Se deixarmos alguém furar a fila na nossa frente, estamos sendo coniventes com o resto. É meio exagerado, mas acho que é por aí.
Só não sei como fazer pra resolver isso. Acho que um bom começo é não ir na onda daqueles que dizem que no Brasil tem que se fazer desse jeito senão você fica para trás. E ensinar os nossos filhos que eles só vão ganhar se forem realmente cidadãos.

Zappi disse...

Eu concordo que eles são nossos representantes. Entretanto o fato do que eles fazem ser ilegal é o que deveria gerar alguma reação e não gera. Aqui você pode entrar no bonde sem bilhete e viajar para onde você quiser. Entretanto, se um fiscal te pega, ele te puxa de lado e só a vergonha da ocorrência é suficiente para evitar que o pessoal viaje sem. O problema é que vergonha jamais seria suficiente aí como punição. Sei de gente que presta vestibular - tirando a vaga de alguém em universidade pública, só para conseguir as vantagens decorrentes - passe escolar, centro esportivo, piscina, meia entrada em cinema. A vergonha já foi embora há muito tempo do Brasil. Acho que para colocar as coisas no lugar um esquema parecido com o que aconteceu em Singapura seria necessário: quem pixa o muro era submetido a uma sessão de chibatadas em público. Tráfico de drogas tem como consequência morte por enforcamento. Isso acontece um par de vezes e o pessoal se comporta direitinho. Soube ontem de um "arrastão na praia" promovido por um grupo de brasileiros em Sydney. Eles sabem que o pior que pode acontecer para eles é serem deportados, pois o governo australiano não quer gastar $50,000/ano mantendo-os presos, e a maior parte tem visto temporário, de estudante. Se no mínimo os traficantes fossem presos, os bandidos fossem para uma cadeia de verdade e os políticos traidores fossem destituídos sem direito a grana nenhuma e humilhados publicamente a coisa ia começar a melhorar.

Anônimo disse...

"(...) A eternização da pobreza interessa aos que querem o poder de transferir renda, que querem o agenciamento da transferência forçada dos ricos aos pobres. Não é um agenciamento desinteressado: em troca querem o poder absoluto.(...)"

E além disso, o tal "agenciamento da transferência de renda" é apenas teatral, pois a manutenção da miséria geral e em massa também é do interesse daqueles que almejam chegar ao poder desta forma. É muito mais fácil manipular uma massa de miseráveis ignorantes.