2006-05-27

A montanha mágica - final


Anoitecia, finalmente. Em nosso novo ponto de observação, a uns 3000 metros de altitude, o guia estava preparando o equipamento. Um telescópio refletor. Entre os presentes eu era o mais entusiasmado e o guia tinha percebido de início. Quando conversávamos, ele notava que as minhas perguntas eram de alguém interessado no assunto. Olhávamos para o céu, que demorava em escurecer. "Infelizmente os planetas não estarão visíveis durante a primeira metade da noite" - disse o guia, em tom triste. Eu não me importava. Passei a maior parte da minha infância olhando planetas no telescópio do terraço do apartamento onde eu morava em São Paulo, e sabia muito bem o que esperar desse tipo de observação. Não, eu estava interessado em ver aquilo que só podia ser visto em um céu límpido como esse: distantes galáxias, nebulosas do hemisfério norte, para sempre proibidas desde meu antigo ponto de observação sul-tropical.

Antes que anoitecesse era entretanto o momento mais favorável para ver os "flares", ou seja, disparos de brilho ocasionados pela reflexão de superfícies lisas de satélites artificiais. Os mais intensos e comuns eram os do sistema "Iridium" da Motorola, uma rede de satélites para telefonia global que nunca chegou a funcionar a contento. Apesar disso proporcionavam diversão a estes caçadores de "flares". Vimos diversos, alguns bastante impressionantes, sempre previstos pelo guia que tinha trazido uma tabelinha com os mais notáveis dessa tarde. O céu parecia custar a escurecer. Uma língua de luz persistia, teimosa. O céu transparente parecia estar mais próximo do que nunca. Vimos alguns meteoritos e começamos a observar objetos coloridos, estrelas duplas (alpha-cygni) a nebulosa de lyra e diversas outras nebulosas e galáxias, incluindo "Sombrero". Nunca veríamos estes objetos com o brilho e resolução de um grande telescópio, mas para mim vê-los diretamente tinha muito valor.

Vimos dezenas de objetos e conversamos bastante. À medida que a nossa visão ia se acostumando com a luz das estrelas, percebi que não era possível distinguir as faces das pessoas. Era cômico, parecia que enxergávamos bem, mas o baixo nível de luz das estrelas dispara células da retina que não tem a capacidade de resolver detalhes. Cor também era inexistente, tudo parecia meio azulado. O guia riu e contou que uma vez um dos turistas que levava deu uma palmada em alguém pensando que era a sua esposa... Duas turistas japonesas não paravam de rir com a história.

Na volta percebi por que o guia tinha me escolhido para sentar na frente do jipão. Todos estavam cansados e sonolentos e ele ainda teria que dirigir por pelo menos uma hora. Tinha me identificado como um falador entusiasmado e ficamos conversando sobre diversos assuntos. Engraçado... queria saber sobre o Brasil. Ele também me contou sobre os imigrantes japoneses no Havaí, sobre comunidades alternativas... Fiquei pensando como tudo isto convivia tão bem em uma ilha do Pacífico, como os investimentos científicos prosperavam, as pesquisas iam de vento em popa. Pensei nos silenciosos observatórios-robô no topo do Mauna Kea. Pensei em como tudo isso estava distante do meu país... como lá saber e conhecimento eram tratados como... bom, deixa prá la.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pelo que eu pude entender, você está se divertindo aí hein? Pois faz muito bem!
Aproveite bastante.