2006-03-31

A Gigantesca Inversão

Craddle Mountain - Tasmânia



Um universo paralelo, onde tudo é o oposto do que deveria ser. Uma imagem no espelho, o esquerdo é direito, o direito é esquerdo. O bem é mal e o mal é o bem.

Por algum motivo, esse tema tende a se repetir nas velhas histórias de ficção científica. Creio que como é tão difícil imaginar as reais diferenças entre mundos, é mais fácil imaginar algo muito semelhante, só que ligeiramente alterado, e prever as consequências.

Mas esse tipo de inversão ocorre, sim. É mais comum do que parece. Algo muito sutil, os "valores" podem ser corrompidos e invertidos à vontade. É que na verdade os valores são relativos. Dependem de uma convicção interior, são um postulado básico de cada um. Pode-se falar de valores de uma sociedade se houver uma certa concordância entre os valores individuais. Em certas sociedades, valores que para nós são absurdos sobem à categoria de lei. Na Malasia, por exemplo, se alguém casar com uma moça Malay sem se converter ao islamismo, é preso. É lei. Consenso. Faz parte dos valores locais.

Valores estapafúrdios para uns são naturais para outros. Mas os valores não são somente relativos. Há formas de os caracterizar, classificar. Os critérios são objetivos, sim. Isso se acharmos que progresso econômico ou intelectual são critérios válidos...

Galileo Galilei foi um dos primeiros a usar o método experimental. O problema é que com suas descobertas acabou por se opor a dogmas do catolicismo. Ele dedicou intensos esforços e tempo a se defender da ignorância vigente. Por pouco não foi condenado em um processo que poderia ter terminado como o de Giordano Bruno, que por muito menos foi queimado em uma fogueira. Galileo tinha amigos influentes, e, com uma simples renúncia a suas descobertas, negação dos seus valores, teve a pena comutada para prisão domiciliar vitalícia. O peso que Galileo carregou por se opor aos valores da maioria o impediu de pesquisar mais. "Eppur si muove" passou a ser considerado o símbolo de uma resistência, da imposição de valores progressistas sobre idéias conservadoras.

Estranho Isaac Newton ter nascido no ano que Galileo morria. Mesmo em sua prisão domiciliar, Galileo escreveu uma obra prima, "Discorsi e Dimostrazioni Matematiche, intorno a due nuove Scienze". O manuscrito foi contrabandeado até a Holanda, onde foi publicado e traduzido para diversas línguas. Nunca se soube ao certo, mas muitos especulam que Newton teve acesso a esta obra, onde estão as bases para duas das suas três leis. A terceira, da gravitação, foi demonstrada de maneira genial usando uma ferramenta desenvolvida pelo próprio Newton: o cálculo diferencial.

Assim como Galileo ganhou a danação eterna pelas suas descobertas, Newton recebeu premios do seu governo. O título de "Sir" e um emprego vitalício. É fácil notar a diferença de valores dos ingleses, holandeses e italianos.

O mais interessante, entretanto, é o reconhecimento de Newton:
If I have seen further, it is by standing on the shoulders of giants.
Um dos maiores gênios de todos os tempos teve a humildade de reconhecer os esforços combinados que o tinham levado até ali. Não podia agir diferentemente. O reconhecimento fazia parte de seus valores, como teria feito parte dos de Galileo.

Se a Itália desencorajou a Ciência no século 17, existe hoje, agora mesmo, em pleno século 21, um lugar onde todo o pensar é desencorajado. Não só a Ciência, que às vezes parece continuar se desenvolvendo por puro amor à arte empurrada adiante por alguns poucos teimosos reclusos.

Neste lugar qualquer discussão lógica é atacada com o pretexto de que é entediante. Qualquer esforço intelectual é destruído por fugir às normas de convivência. O estudo é tomado como uma chacota, colar e plagiar são consideradas as manifestações mais elevadas da inteligência. O dinheiro é valorizado, mas sempre e quando sua obtenção tenha sido devida a algum artifício malandro, a algum drible do sistema. Um lugar onde, se perguntar às meninas o que querem da vida, obtém-se a cândida resposta: "Quero ser puta!".

Onde tudo que é público é corrupto e ninguém se importa de não receber nada em troca dos impostos que paga. Onde a favela e a miséria crescem continuamente, mas quem lucra com a ignorância não faz outra coisa que incentivar seu crescimento, institucionalizando-as até, apelidando estes focos de miséria de "Comunidade Favela da Rocinha" em mapas oficiais. Onde presidiários instalam verdadeiros "Call Centers" com celulares roubados para extorquir trabalhadores, e manter suas redes de tráfico em operação. Onde presídios tem filas de visitantes para fazer sexo com presos em troca de favores ou como resultado de chantagens.

Onde qualquer tentativa de mudança, mesmo que só uma idéia, é bloqueada e atacada e desencorajada. Onde os que vivem bem não se importam de ter bairros miseráveis embaixo de seus pés, pois daí vem os seus serviçais. Onde a malandragem é considerada a base fundamental de uma rica cultura nacional, ninguém se importando com os recursos roubados de hospitais e escolas. Um lugar aonde o presidente, eleito por milhões de habitantes, não sabe ler e ninguém vê nenhum problema nisso. Onde quando se ouve falar de um sequestro, já vem a explicação... "Ah, era rico, né? Por isso foi sequestrado." Tudo está em ordem. Onde se mata por uma bebida... explicação? "Ah, era pobre, né? Onde morava? Por isso morreu." Ou se meteu com tráfico. "Ah, então é isso." O ministro roubou? E já vem a explicação: "Se eu fosse ministro, também roubava." E todos concordam com algo tão sensato. Já nem as sobrancelhas levantam por algo tão corriqueiro. Afinal era dinheiro de ninguém.

Onde cheques roubados são vendidos na rua. Todo mundo sabe. E ninguém se importa. Onde traficantes mandam no exército. Onde tudo se negocia para conseguir a saída mais ignóbil, mas fácil. Onde a mentira vale mais que a verdade, pois requer esperteza, o tipo de esperteza considerado de valor. Onde o descaro vale muito mais que a honestidade. Há algo mais chato que um cara honesto?

Simplesmente, neste lugar o valor tornou-se um não-valor. É a negação de tudo que alguma vez a sociedade ocidental prezou. A desconstrução total.





2006-03-30

Não à baixaria

Aurelio, um colega, disse que todos percebem a situação terrível que o Brasil está vivendo. Talvez seja certo. Entretanto todos fazem o possível para fazer parecer que não percebem. Um sistema de defesa? Talvez.

Essa forma de se defender, ignorando tudo à sua volta, é a principal causa dos problemas do Brasil. Cada um que inicia um debate ou uma discussão é massacrado com argumentos do tipo "Que chato". Claro que isso não é argumento: é só uma forma de manifestar a própria incapacidade de debater ou de discutir de forma elevada. Se não se começa discutindo de forma racional, possíveis soluções jamais chegam. Aliás, vocês acham que elas vão chegar do Alckmin ou do Lula, caso for re-eleito? Sim, meus caros. Esperem as soluções virem de cima. Vão esperar sentados.

Outra coisa que me choca é que a baixaria é considerada algo bonitinho. Engraçado isso. Por que será? Olhem à sua volta. Vocês não acham que esse comportamento estimula mais baixaria? Sabem onde termina isso? Em um poço bem fundo. Em um assassinato motivado por uma disputa por ponto de venda de Yakult. Sim é verdade, eu vi isso acontecer. Foi um dos eventos que me ajudaram a decidir sair daí. Não é o cúmulo do baixo nível? Acho que ainda é possível descer mais baixo.

Pior que a baixaria, que o pessoal usa indiscriminadamente para adquirir popularidade, é o ataque contínuo à capacidade intelectual ou artística. Nunca vi, em todas as minhas andanças, um lugar tão hostil à arte como o Brasil. Perguntem para quem trabalha com isso, se conhecerem alguém. O povo brasileiro também é hostil à inteligência, esforço, pesquisa, desenvolvimento. Há um desrespeito enorme, ridicularização até, a tudo que se refere a ciência e arte. Não é só por causa das boas condições no estrangeiro que os cérebros fogem. É por causa da perseguição interna. Por causa do ódio gerado pela inveja dos medíocres. Esse é o motivo mais forte. Só para dar um exemplo, há um pianista fantástico chamado Ricardo Castro. Baiano. Vocês sabem onde ele mora agora? Na Suiça. Claro, não há condição nenhuma no Brasil.

Sei que não é todo mundo que age assim e não pensem que estou acusando ninguém. Pensem entretanto em quantas vezes alguém de valor se afastou de vocês silenciosamente. Já se perguntaram por que? Ninguém que usa a cabeça gosta de baixaria. Eles são obrigados a suportar quietos, pois são minoria absoluta.

Aliás fica um conselho: tentem evitar. Sim, evitem a baixaria. Sei que é doloroso, sei que os que estão acostumados vão sofrer um pouco. Verão entretanto que algo vai melhorar. Perceberão que a qualidade das pessoas à sua volta vai aumentar. E não é mágica não. A baixaria não requer intelecto. Mesmo aos quarenta e tantos anos de vocês, mesmo quem está com os neurônios enferrujados por tão pouco esforço mental, mesmo assim é possível reverter o quadro. O ser humano é incrívelmente flexível e adaptável. Verão como um esforcinho de nada como esse gera um resultado fantástico. É como se, do nada, de graça, uma nova vida surgisse. Por acaso é possível uma recompensa maior que essa?

Na semana passada vi algo que me impressionou muito. Nunca havia ido a um laboratório bioquímico de pesquisa antes. Neste eles trabalhavam com células tronco humanas. A pesquisadora, trêmula de emoção, coloca algo no microscópio. Eu vejo como células não-diferenciadas se convertem em neurônios humanos, com longas terminações. É a semente de uma pesquisa que poderá devolver os movimentos aos paralíticos, por exemplo. E a faísca de algo que gerará frutos incríveis. Pena que esse tipo de pesquisa seja proibida aí.

Gosto de pensar que um dia nascerá um Leonardo da Vinci no agreste nordestino. Não hoje. Um dia. Hoje nascem muitos, mas eles são massacrados desde a mais tenra idade. Não pela fome. Não pela seca. Pela ignorância e intolerância dos que vivem a seu redor. Pela falta de estímulo. Afinal ser melhor é ruim. Discutir é errado. Pensar, intolerável. Mas um dia acontecerá, e esse nordestino do agreste será conhecido como um dos maiores gênios da humanidade, como Newton, Galileu e Einstein. Não sejam vocês a destruí-lo. Façam o possível para que esse dia chegue logo.

2006-03-29

Australia - Turismo 2

Os Commonwealth Games terminaram, a cidade retomou seu ritmo normal. Os bondes, que chegaram a atrasar até 8 minutos, agora estão pontuais novamente.

Ao tomar o bonde, esta manhã, subiram os fiscais. Comecei a procurar meu bilhete - a multa é de 400 dólares se for pego sem - e notei que os fiscais não estavam pedindo nada, estavam distribuindo uns papéis. "O que será isso?" - pensei, e esperei que chegassem perto.

Surpresa! Com um sorriso no rosto me deram dois vales-café gratis, com uma simpática notinha agradecendo a paciência durante os Games! Isso é que é consideração. As pessoas saíam sorrindo do bonde e dirigiam-se ao café, aqui perto. Vou guardar os meus para mais tarde...










2006-03-28

Austrália - Turismo

A terceira parte da estratégia australiana se refere ao turismo. Um país imenso, praias, montanhas e belas paisagens. Uma parte tropical e outra temperada, neve e deserto. Além disso desenvolvem o turismo urbano, uma multitude de eventos como Commonwealth Games, Australian Open, festivais variados, isso se pensarmos somente em Melbourne.

O esforço é tremendo. Os Commonwealth games tiveram que incluir milhares de voluntários não pagos para a organização. Era impressionante ver as pessoas se esforçando por ser aceitas como voluntárias para ajudar a cuidar e dar informações aos turistas. O sucesso foi total. Hoje, o faturamento relacionado ao turismo é de 17 bilhões de dólares por ano, algo como o triplo do do Brasil. Por habitante, o faturamento australiano com turismo é 30 vezes maior que o daí. Lembremos que o potencial da natureza brasileira é maior que o da Austrália, as passagens da Europa e Estados Unidos são mais baratas. Entretanto nunca houve uma política decente, e a infraestrutura simplesmente não existe.

É bom olhar o que os outros fazem e copiar. A Coréia copiou e se deu bem. O Japão copiou e se deu bem, sem contar que melhorou muitas coisas no processo. O Brasil acha que vai encontrar um caminho novo, uma panacéia nunca antes concebida, um mixto de Chico com Lula, PT com Partido Comunista Cubano, e que todos vão ir para aí para maravilhar-se com a inventividade brasileira e comer bananas fritas no asfalto à sombra dos coqueiros. Podem esquecer. Competir globalmente requer inteligência. Combata-se a inteligência e temos... uma Angola gigante, e não um gigantesco Portugal.










Australia - Educação

A segunda parte da estratégia australiana, que começa com a política de imigração, é a política de educação. Nisto eles tem pelo menos três consideráveis vantagens sobre o Brasil: a língua, a proximidade da Ásia e a infraestrutura. Um dos grandes negócios australianos consiste em vender educação para o estrangeiro. Vale tudo: intercâmbio, cursos de inglês, cursos técnicos, superiores ou pós graduação. Há uma ligação intrinseca à política de imigração, já que muitos dos professores são imigrantes. Muitos alunos, depois de fazer um curso aqui, também decidem ficar.

A educação é um assunto realmente difícil, há que se manter critérios de excelência pois vários outros países oferecem cursos: EUA, Europa e Inglaterra são os destinos mais populares. Eles são rígidos aqui e qualquer tentativa de cola ou plágio são exemplarmente punidas, muitas vezes com a expulsão do aluno da faculdade.

Sem sombra de dúvidas, a exportação de serviços na área educacional é um dos maiores motores do desenvolvimento australiano. O crescimento do faturamento da Austrália com educação somente é da ordem de 10% ao ano. Não só somam nesta área os valores diretamente pagos às instituições de ensino, mas no caso de intercâmbios para escolas do estado este dinheiro reverte para as próprias escolas, que competem para atrair alunos de fora. Além disso os gastos gerais dos estudantes que aqui vivem e as passagens aéreas contribuem indiretamente para o crescimento econômico. Isso sem contar que esta política por sua vez está ligada com a terceira, a da indústria do turismo. Parentes dos estudantes vem visitá-los aqui e eles mesmos viajam pela Austrália, um país com natureza única.

Comparemos esta estratégia com a do Brasil... bom, melhor não.

2006-03-27

Imigração e emigração

Quando algo está errado, deve ser mudado. Nada me impressionou mais aqui que este princípio, seguido à risca. A função do governo é clara: deve melhorar as condições de vida do cidadão médio. Para isso proporciona um ambiente propício a investimentos, pesquisa tecnológica, exportação de serviços e produtos com alto valor agregado.

A Austrália é uma ilha. Gigantesca, é verdade, mas isoladíssima do resto do mundo. Começou como um continente-presídio, onde eram enviados os bandidos britânicos. Não ficavam soltos aqui, não. Um lugar digno de visita é o presídio de Port Arthur, no sul da Tasmânia. Um trabalho tremendo de pesquisa procurou resgatar o histórico de alguns pobres-diabos que foram enviados para lá por crimes menores. A pequena "Ilha dos Mortos" tem mais de 15 mil ossadas de prisioneiros que encontraram seu fim em Port Arthur. Os britânicos não pensavam duas vezes antes de enforcar quem tivesse feito algo mais grave. Tasmânia era uma segunda chance.

Um começo como esse me faz pensar nas justificativas dadas aos nossos problemas relacionadas com o passado do Brasil. Não faz sentido! Por que a Austrália se desenvolve e o Brasil não?

Acredito que a direção atual das políticas daqui tem sido a mesma durante os últimos 20 anos. Afinal o crescimento econômico australiano tem sido fantástico e não há razão aparente para isso. A Austrália exporta minérios, produtos agropecuários, ouro, nada muito diferente do perfil de exportações brasileiras. É um país isolado com 80% da área coberta por desertos. Desertos de verdade, não aquilo que os nordestinos brasileiros chamam de "seca". O que é diferente?

Uma parte da resposta está na política de imigração. O Brasil efetivamente expulsa seus profissionais mais talentosos, a tão odiada "elite" intelectual, desprezada pelo 'status quo' político. A Australia quer esses mesmos que almejam coisas simples como um futuro para seus filhos, um país decente, trabalho.

Um perfeito exemplo de como a Lei da Soma Decrescente é válida no Brasil e contrabalançada na Australia. O governo atual acha ótimo a elite sair, mas o resultado final é péssimo para o conjunto da população.

Tudo tem um preço, entretanto. Apesar de a Australia aceitar refugiados em pequenos números, a maior parte dos imigrantes tem que passar por uma bateria de testes, entre os quais redação. Isso mesmo: o teste que aterrorizaria nosso atual Presidente da República. Claro que é em inglês. Isso é o mínimo absoluto. Todo mundo tem que fazer, sem exceções. Isso já bloqueia a entrada de uma quantidade enorme de pessoas.

E isso não é tudo. Eles querem jovens e promissores trabalhadores de nível superior. Mais uma bateria de exames e comprovantes, que são efetivamente checados e contra-checados pela embaixada australiana. Funcionários públicos aqui trabalham duro! Ligaram para todas as minhas referências.

Cansei de receber mails de brasileiros querendo vir para cá. O governo do PT realmente assassinou a Esperança. Fico triste com o fato de que a maior parte não vai conseguir. O governo daqui cobra em torno de R$9000 só para avaliar se vai aceitar o imigrante ou não. O resto das exigências aumenta à medida que mais estrangeiros querem se fixar aqui. As leis valem para todos. Ouvi dizer de muitos britânicos que não conseguiram passar todas as exigências.

Quer saber? Fazem muito bem! Novamente o foco é em melhorar o nível daqui. Viva a elite! É isso que eles querem. Estranhamente oposto ao que se pratica aí.

Os xenófobos de plantão não enxergam o mal que "um brasileiro" está fazendo a toda uma geração. Votaram nele pelo fato de que ele fala errado. Autenticidade. Pois bem. Nenhum americano está sabotando o país. Ou será que o Lula é um agente disfarçado da CIA? Hummmm....

A imigração é fonte de recursos para a Austrália. É um dos motores principais do crescimento econômico. Capital intelectual qualificado. Uma genial estratégia, dando frutos continuamente.


2006-03-23

Divórcio e a Lei de Gérson

O Divórcio é talvez o mais interessante exemplo de LSD (Lei das Somas Decrescentes) em ação: durante o divórcio é invariável a destruição de valor, tempo e muitos outros atributos imponderáveis. A briga é ferrenha e os advogados de divórcio são os únicos que, se forem astutos, lucram ("Fra due litiganti, il terzo gode") . Isso sem contar que a divisão final dos bens é sempre longe de ser equânime.

De qualquer maneira, parece que uma solução está por vir. Clique: "March of the RoboLawyers" (só para assinantes da Economist). Em resumo, alguém teve a idéia de aplicar teoria de jogos para extrair dos brigões o que eles realmente desejam mais na partilha (o que eles dizem normalmente é tudo! tudo! tudo!). Para quem for esperto, acho que é uma idéia e tanto. Nas partilhas normais cada um recebe em média 50% do que queria, mas usando este sistema ambos acabam com 70% a 80% do desejado.

O único problema é que ambos tem que aceitar a partilha-robô. Se a intenção deles não for simplesmente torturar o ex, deveria funcionar. Fica como sugestão para desenvolvedores espertos - no bom sentido, claro.

2006-03-22

Masterclass

Era uma bela manhã de sol. No campus, o orvalho brilhava nas folhas recém brotadas de primavera. As árvores moviam-se levemente na brisa fresca da manhã. Tudo parecia indicar novidade, esperança. Viam-se os estudantes chegando por todos os lados, ansiosos pelas primeiras aulas do semestre. Tudo sugeria melhora e renovação. A sala dava para um jardim, mesmo lá dentro mantinha-se a sensação fresca de um novo dia.

A aula era de Física. Entrou o professor, havia uns cinquenta alunos. Todos sentados, silenciosos, esperando entender a proposta desse que era Doutor em Física, de currículo invejável. Começou a falar. Era um homem grande, meio calvo e narigudo, irradiava brilho de uma maneira como nunca tinha visto em um professor nessa faculdade.

Fernando ficou intrigado. O professor começou com uma descrição técnica do funcionamento de reatores nucleares, discorreu sobre as diversas opções, suas vantagens e desvantagens em relação à eficiência de geração de energia, dependência de tipos exóticos de combustível nuclear, variantes e opções possíveis, tipos de tecnologia desenvolvidos em diversos países. Só de ouvi-lo, Fernando imaginava a quantidade de pessoas envolvidas em todos esses esforços, os paradoxos entre as aplicações pacíficas e os usos em armamentos, os problemas do lixo radioativo. Era uma palestra magnífica. Fernando ouvia tudo boquiaberto. Não estava esperando que o professor discorresse tão genialmente sobre um assunto tão interessante.

Ele fazia parte da comissão da oposição que estava avaliando o acordo nuclear Brasil-Alemanha. E ele sabia muito bem do que estava falando. Amigo dos melhores físicos do país e com contatos em todo o mundo ele estava inserido na elite intelectual do mundo. Fernando sentiu-se privilegiado em poder ouvir a essa classe magistral. Quanta sorte!

Começou a explicar os detalhes técnico-comerciais do acordo nuclear. Disse porque o acordo era ruim para o país, o que os alemães estavam realmente vendendo, a que preço, que opções teriam sido melhores, quais os verdadeiros interesses do governo no acordo e o que a sociedade iria ganhar ou perder com isso.

Algo estranho começou a acontecer. Absorto que estava, Fernando percebeu só um pouco mais tarde. Um a um os estudantes abandonavam a sala. O professor nada fazia para impedí-los e não interrompia sua dissertação. Fernando não entendia... Por que faziam isso? As pessoas estavam abandonando a melhor aula que ele jamais havia assistido. Qual a explicação para esse mistério?

Fernando pegou pelo braço um que estava deixando a sala por último... tinha que saber a razão. Ele lhe disse, baixinho e em tom meio contrariado:

"Este professor está falando de política, não está dando aula de Física."

Então era esse o motivo? Fernando discordava totalmente. Claro que estava falando sobre Física, e ainda estava falando sobre muito mais.

Quando havia apenas cinco estudantes absortos em sua exposição, o Professor anuncia:

"Acho que agora quantidade de alunos é ideal para uma boa aula de Física..."

Mudou de assunto. Começou uma magistral aula de Física. Nos moldes dos antigos filósofos, que se reuniam em pequenos grupos para discutir, expunha os conceitos e fazia disgressões, pedia exemplos e comentários. Como os "Discorsi" de Galileu. Como as elucubrações de Feynman. Fernando estava ainda mais estarrecido. Aquele dia estava realmente valendo a pena.

Onde foram todos os desagradados com a aula? Havia outro professor ensinando Física. Ele escrevia longamente na lousa, usando giz colorido, circundando com floreios resultados importantes. Uma aula típica de cursinho. Todos copiando cuidadosamente no caderno. Sentados uns em cima dos outros, na classe abarrotada, tentavam uns ser mais iguais que os outros.

Fernando sabia que o Professor não havia falado sobre os problemas do acordo nuclear por acaso. Os alunos não poderiam fazer nada a respeito dos resultados do acordo, mas estava falando àqueles que deveriam se tornar os novos líderes, deveriam tomar as rédeas dos futuros rumos do Brasil.

O que o impressionou foi a reação. Teve pela primeira vez consciência da enorme diferença entre o modo de pensar vigente e o seu. Estava em minoria absoluta.

A aula foi fantástica. O curso também. Ia a cada aula entusiasmado e realmente aprendeu muito. Aprendeu também sobre as pessoas, e sobre porque o progresso é tão difícil.

Entretanto, as manhãs estavam diferentes.

Já não irradiavam a mesma esperança do início.

Dedico este post ao físico José Zatz

2006-03-21

A Lei de Gerson explicada - crítica

Recebi uma crítica interessante à Lei da Soma Decrescente, outro nome que inventei para a lei de Gérson. Acontece que a crítica é válida. As pessoas procuram seu benefício próprio e estão pouco se lixando para o que outros perdem no processo. Isso significa que a Lei da Soma Decrescente, LSD, deveria ser universalmente válida.

De certa forma ela é. Mas as exceções à LSD são o que realmente deveria controlar o sistema econômico. Vejam só:

O funcionário faz greve. O patrão não gosta. Entretanto, se o patrão não conseguir demitir o sujeito, ele perde. Se o patrão tiver o poder de demitir, o funcionário nem começa a greve. Convém ao dono ameaçar o funcionário de expulsão.

O analfabeto tenta reduzir o nível à sua volta. Se em vez de imitá-lo, os esclarecidos o ridicularizam, o analfabeto tem um incentivo a aprender. Convém ao alfabetizado, portanto, malhar o ignorante.

Um amigo me explicou como a malandragem evolui naturalmente para a malandragem de colarinho branco (obrigado por essa, Mr. Z). É simples: o malandro faz a primeira malandragem. Lucra com isso. Acha fácil. Aí tenta uma maior... e tem sucesso novamente! Assim vai progredindo até que ele entra no circuito oficial das megamalandragens. Claro que o cara se transforma em um expoente da LSD, extorquindo em grande estilo, direta ou indiretamente, todo mundo ao seu redor. Se o pessoal acha malandragem uma coisa linda, uma riqueza da cultura brasileira, é natural que o cara evolua nessa direção. A culpa é de quem viu e achou bonitinho.

Se todo mundo fica calado... bom, dá no que dá, não é mesmo?

Segue...

2006-03-18

Arrogância e humildade

Estranho como certas coisas chamam a atenção quando faltam. Algo que é onipresente é invisível, mas quando não está mais lá parece circundado com luzes de neon. Enigmático? Nem tanto. Notei imediatamente quando cheguei. Aqui nenhum beco tem cheiro de xixi. Isso quer dizer que as pessoas não fazem xixi em cantos, escadas, embaixo de pontes, muros, nada. Notei o cheiro que estava faltando em cada rincão escuro. Nunca teria percebido, se não faltasse.

O cheiro de xixi é uma assinatura dos becos de São Paulo. Se mencionarmos o problema no Brasil, as pessoas justificam de alguma maneira como: é a falta de educação, o poder público não dá escola... Isso quer dizer que tirar o pinto para fora e fazer ou não fazer xixi em um canto é um problema de educação? Educação básica ou educação superior? Podem também justificar dizendo que o governo não dá banheiro público, e as pessoas não tem opções para se aliviar. Interessante... Será esse mesmo o problema?

Acho que não. Fazer xixi na rua é o ato de arrogância suprema: "Tô com vontade, e daí?" É raiva manifesta contra todos os que forem passar por aí. É como o cachorro que diz para os que vão passar depois: "estive aqui e fiz".

Seria interessante ver o que aconteceria se houvesse uma penalidade, se multassem quem fizesse. Se isso acontecesse, eu até já vejo a indignação, a fúria e a revolta dos mijões. ONGs em defesa do direito do cidadão de se aliviar organizando passeatas, protestos. Causaria muitíssimo mais indignação que as roubalheiras do PT.

Aqui ninguém faz. Acho que é por humildade. Ninguém quer causar incômodo para ninguém. Humildemente se agüentam até chegar em casa ou até achar algum banheiro. A arrogância não é do gringo, é do produto nacional, da gente do Brasil.