2007-12-21

Não acreditem em mim.

Eu não quero que acreditem em mim. Se eu disser que o mundo vai acabar, peçam provas. Analisem o que digo. Pensem. Cheguem a uma conclusão sozinhos. Só assim vocês terão certeza de que o que eu digo é verdade - ou não. Tem um detalhe, entretanto: isso vale para todos.

Nos últimos dois anos uma série de livros de quatro autores com a mensagem acima foram publicados. Gozaram de um sucesso editorial enorme. Fizeram muita gente pensar. Na verdade, fizeram muita gente declarar, orgulhosa, que achava que a doutrina da transubstanciação é um engôdo vergonhoso e a infalibilidade papal só pode se referir à infalibilidade da morte do papa. Sim, porque até agora a única coisa infalível a respeito de um papa é a sua morte que virá, inexorável. Ter fé em tudo que um velho diz "por definição" é até pior que acreditar na virgem grávida.

O mundo nunca mais será o mesmo. Foi-se o tempo no qual não se podia expor ao ridículo os que declaram sua fé dogmática no que quer que seja. Como alguém defende a proibição da camisinha? Como alguém defende a virgindade como virtude, em tenebrosas e empobrecidas regiões da África? Os missionários estão aí para fazer o que sempre fizeram: espalhar a miséria de suas idéias pobres, de seus ideais empobrecedores. Perguntem às africanas o que elas querem. Elas responderão que querem anti-concepcionais e camisinhas. Elas querem cortar o ciclo de miséria que nunca termina e se multiplica com suas dezenas de filhos que morrem de fome e doenças evitáveis.

O respeito às religiões é um conceito absurdo: como respeitar alguém que não me respeita? Seja entre uma religião e outra ou entre diferentes versões da mesma religião, o respeito definitivamente não faz parte do repertório religioso. Peguem o Corão para ver quantas vezes os mulás que o escreveram dizem que os não-muçulmanos são imorais e malvados. Peguem a Bíblia para ver quantas vezes os não religiosos são chamados de imorais e depravados. Respeitar esses conceitos é francamente ridículo, além de ser auto-destrutivo.

Sim, muitas destas seitas pregam o fim do mundo. Mais do que isso, elas querem o fim do mundo. Alegram-se com isso. Pode-se levar a sério alguém que está trabalhando contra todos os seres que habitam o nosso planeta? Há uns que pensam que vão ser "arrebatados". Outros esperam OVNIS descerem sobre pirâmides. Ainda outros tomam chá de cogumelo para ficar com "barato". Outros cobram dízimo para comprar emissoras de TV. Outros batem nas próprias costas com um chicote até sangrar. Respeito só é para quem merece. Não acreditem em mim. Olhem ao redor.

As religiões dividem. Para elas, uma pessoa é menos do que a outra só em base à sua religião. Todas as religiões fazem isso. Não adianta tentar me convencer que o cristianismo é uma exceção: basta ver o que os católicos e os protestantes fazem na Irlanda do Norte. Não se pode dividir as pessoas em seitas, grupos, tribos primitivas. Já existem as divisões nacionais, de língua, de costumes. As religiões só acrescentam divisões inúteis e perniciosas que terminam por gerar conflitos completamente evitáveis e irracionais. O que dizer de alguém que, para ganhar as virgens do paraíso, se explode matando centenas de pessoas? O que dizer de quem recruta, doutrina, distorce as mentes desde a mais tenra juventude desses que, fatalmente, se tornarão poços de ódio e rancor? Não acreditem em mim, olhem ao redor.

Hoje em dia, a grande tribo que mais cresce não é, ao contrário do que se diz por aí, a dos adoradores de Alah. A tribo que mais cresce é aquela dos que acham que não existem tribos. Pessoas são pessoas. Os não religiosos hoje são mais numerosos até que os islâmicos, e isso está deixando as religiões em polvorosa. Os livros "blásfemos", para usar a expressão própria dos tiranos religiosos, estão vendendo mais que banana na feira.

Aí alguém pergunta: "Se as pessoas não tiverem religião, como é que fica a moral?". Para esses respondo: os Estados Unidos são mais religiosos que a Europa. Em alguns países da Europa, mais de 90% se dizem sem religião, enquanto 80% dos americanos acham que um deus ouve suas preces. Mesmo assim, e apesar da imoralidade que os religiosos teimam em tentar associar com os não religiosos, há muito mais AIDS nos Estados Unidos que na Europa. Há muito mais assassinatos nos Estados Unidos que na Europa. Há muito mais abortos nos Estados Unidos que na Europa. Há muito mais gravidez em adolescentes nos Estados Unidos que na Europa. Não acreditem em mim: vejam por vocês mesmos. Os não religiosos são moralmente muito mais avançados do que os que se auto-proclamam "donos" da moral.

O uso das próprias faculdades intelectuais é o segredo. A moral é uma conseqüência natural. Todo ateu sabe disso. Os religiosos agarram-se desesperados a suas bíblias com medo de ter que começar a pensar.

Quando quero inspiração, pego um livro científico velho. Há muitos, para todos os gostos, em todas as disciplinas. Quando leio um desses, que pode ter sido escrito por Galileu ou Georg Agricola, vejo a imensidão do trabalho da Ciência, os dedicados soldados que batalham dia e noite para desvendar os segredos do mundo natural. Comparo o que se sabe hoje com o que se sabia há 500 anos. O progresso da Ciência me enche de orgulho e de esperança. Os religiosos a detestam, pois tira-lhes o poder, que é em última instância baseado na ignorância forçada aos jovens. A Ciência é o oposto disso.

Dizem então os religiosos: "E os efeitos negativos da Ciência? O efeito estufa e a bomba atômica?" Respondo: não são nada comparados aos efeitos positivos: só a invenção dos antibióticos salvou mais vidas do que jamais foram salvas pela caridade católica. Estima-se que 5 bilhões de pessoas não morreram porque foram tratadas com antibióticos ou vacinas, ferramentas científicas por excelência. Alguém se habilita a atacar Pasteur ou Sabin?

Não acreditem em mim. Vejam por vocês mesmos. Desejo a todos um felicíssimo feriado e um ano novo cheio de esperança e possibilidades.


   

9 comentários:

Anônimo disse...

Paulo Zappi, eu estava em busca de uma mensagem de natal e ano novo para meus amigos. Escrevi algumas expressando minhas descrenças nessas datas ridículas. Mas este seu artigo veio a calhar. Será a minha mensagem de natal e ano novo para todos os meus amigos, com toda a minha sinceridade. E agradeço-lhe por ter-me dado essa mensagem tão valiosa de graça.
Para você, a minha mensagem é: seja feliz enquanto viver. E enquanto viver, procure fazer feliz tantos quanto puder. Um grande abraço.

Anônimo disse...

Se eu tivesse visto esta mensagem antes, teria imitado o Otacilio, feito-a de minha mensagem de natal e não teria escrito a minha.
Parabéns Paulo, continue lúcido. Abraço.

Anônimo disse...

Muito obrigado pelos elogios. Podem reproduzir a mensagem quantas vezes quiserem. Um bom natal para vocês!

Anônimo disse...

ZAPPI, LOGO ABAIXO DO SEU BELO TEXTO, TOPEI COM AS CAPAS DOS LIVROS QUE RECOMENDA. INFORMO-O QUE JÁ DEGUSTEI OS TRÊS PRIMEIROS E AMANHÃ SAIREI À CATA DO QUARTO -'QUEBRANDO O ENCANTO'. ESTOU TAMBÉM AGUARDANDO A CHEGADA A FLORIPA DE MAIS UM DE SAM HARRIS -"O FIM DA FÉ" - QUE ENRIQUECERÁ MAIS AINDA MINHA COLEÇÃO. ALIÁS, "CARTA A UMA NAÇÃO CRISTÃ" É UM M0ONUMENTO DE SÍNTESE E CONSISTÊNCIA. PARABÉNS POR SUA LUTA, QUE, EMBORA INGLÓRIA, É TAMBÉM A MINHA. BASTA VER MEU BLOGUE E SUA ESCASSEZ DE COMENTÁRIOS, ATESTADO DO PRURIDO QUE TAIS ASSUNTOS DESPERTAM. POUCOS OUSAM DESAFIAR OU MESMO QUESTIONAR OS "INFALÍVEIS" FAZEDORES DE DOGMAS. ABRAÇO. http://magenco.blog.uol.com.br

Anônimo disse...

Mario, é verdade que poucos tem coragem de abrir a boca contra as religiões. A "ofensa" que fingem os religiosos quando confrontados com os fatos é suficiente para assustar a maioria. Não se preocupe... é melhor ter dois leitores sinceros que dois mil puxa-sacos sem cérebro...

Um grande abraço!

Anônimo disse...

Paolo, fique tranquilo: eu não acredito em você!

Zappi disse...

Faz muito bem em não acreditar, Anônimo. Muito bem...

Catellius disse...

Zappi disse: "Mario, é verdade que poucos tem coragem de abrir a boca contra as religiões. A 'ofensa' que fingem os religiosos quando confrontados com os fatos é suficiente para assustar a maioria."

Excelente. Com o "religião não se discute" querem apenas o silêncio dos críticos para depois o interpretarem como anuência. Um engodo repetido mil vezes só vira "verdade" se não houver quem o denuncie outras mil vezes.

"E os efeitos negativos da Ciência? O efeito estufa e a bomba atômica?"

Ciência não é uma alternativa moral a nada, ciência significa conhecimento. A bomba atômica não torna falsa a radioatividade porque causa destruição, e Jesus não passa a ser de fato um deus porque alguém pratica o bem em seu nome. O progresso da ciência apenas torna mais raros os refúgios do deus das lacunas - aquele que só existe no que está inexplicado.

Abraços

Anônimo disse...

Catellius, você disse tudo... Religião é como paixão por time de futebol (não se discute!), hehehehe.... Esse é o principal motivo para que elas se proliferem. Exemplificando: meu pai foi seminarista católico dos 7 aos 14 anos, quando foi "convidado a se transferir para outra escola"! Motivo? Ele questionava demais os dogmas! Pena que hoje, o mesmo pai que me mostrou as podridões das religiões tenha se convertido em "evangélico". As religiões são a desculpa (ou muleta, se assim preferirem) para o fracasso de uma vida. Frase padrão de todo religioso (inclusive meu pai, infelizmente): "Se as coisas não deram certo para mim é por quê Deus não quis..."