Vale a pena ler.
A última linha e o título se referem a
"Lasciate ogni speranza voi che intrate"frase escrita na porta do Inferno - Dante Alighieri - Inferno Canto III
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Deixando a esperança do lado de fora
Por Reinaldo Azevedo
A Grécia antiga não previa pena para o parricídio. Considerava-se um crime impossível. Daí que boas tragédias, que investigavam o mais profundo de nós mesmos, mais ainda depois que Freud as releu à luz da psicanálise, tenham surgido desse evento formidável: o filho que mata o pai, a filha que mata a mãe. Ainda assim, Édipo e Electra cumpriam um destino, uma tessitura urdida no empíreo, no além-do-homem. Os Deuses, então, transgrediam as regras por nós. Havia uma espécie de idealismo humanista, de crença na capacidade humana de resistir a certas paixões.
Vejam o caso dessa menina que ajudou a matar os pais a pauladas, Suzane von Richthofen. O que dizer a respeito? Ela mesma admite que não era movida por nenhuma forma especial de rancor. Chegou-se a ensaiar, num dado momento, o tal do molestamento infantil, mas a hipótese não prosperou. Restam apenas o ato e seu horror. E ato, vamos dizer, “indebatível”, se me permitem o neologismo: como nos comportamos diante do matricídio e do parricídio sem qualquer atenuante conhecida? É por isso que o debate se desloca para a pena que ela vai cumprir, para o fato de que estava fora da cadeia, para a armação de seus advogados, para fato escandaloso de um duplo homicídio, com todos os sinais de ardil, não ser o suficiente para manter um assassino em cana. Já mentir para o Fantástico, aí, não...
Comecei lá pelas musas e acabarei falando de algo aparentemente mais prosaico, como a possível candidatura de José Genoino e Antonio Palocci, dentre outros, a uma vaga na Câmara. Na verdade, são candidatos à impunidade, posto que buscam a imunidade parlamentar para crimes de que são acusados não no exercício legal de suas funções. Mas, antes que volte aqui, deixe-me, leitor, continuar um pouco na minha digressão. Faz sentido debater se é razoável matar pai e mãe? Não. Faz sentido debater se este ou aquele políticos podem jogar no lixo o Estado de Direito e investir na construção de um Estado paralelo? A resposta, de novo, é “não”. Tais coisas, em si mesmas, repito o neologismo, são “indebatíveis”.
Então o que escandaliza? Que lhes seja facultado o expediente de se proteger de qualquer pena. Vejam lá. João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, terceiro homem na hierarquia da República, aquele que fez um eloqüente e indignado discurso na Câmara, que chegou a pensar em protocolar uma carta jurando a sua distância do valerioduto... Esse mesmo João Paulo será reconduzido à Câmara e ainda se torna eleitor disputado no confronto interno do PT para decidir o candidato do partido ao governo de São Paulo. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que tanto se orgulha de ter passado longe da borrasca criminosa, da “quadrilha” (conforme diz o procurador-geral da república), aceita entusiasmado o apoio do companheiro — afinal, o homem foi inocentado pelo plenário...
Genoino, aquele que negava, entre lágrimas às vezes, a existência até mesmo do tal “dinheiro não contabilizado”; aquele cujo irmão tem um assessor que foi flagrado com a cueca recheada de dinheiro; que reivindicou e conquistou a aposentadoria parlamentar, também ele quer voltar à Câmara. Suponho que com boas chances de se eleger. Antonio Palocci, o homem que conseguiu se manter por mais tempo, blindado pela mídia, longe da lama e que, não obstante, ousou mais na agressão ao Estado de Direito, parece que também vai disputar um assento num Parlamento que, vá lá, talvez o mereça. Também nesse Poder, com as exceções de praxe, nunca se desceu tão baixo.
Santo Deus! O que essa gente quer que passemos a debater? Se o crime compensa ou não? É isso? O que essa gente quer que passemos a debater? Se é lícito ou não montar um Estado paralelo? O que essa gente quer que passemos a debater? Se, sob certas circunstâncias, é lícito agredir o Estado de Direito? Ninguém ainda está condenado, é verdade — e, provavelmente, dadas a lentidão da Justiça e a embromação de recursos, nada vai acontecer. Mas esperem aí: há uma acusação formalizada pelo procurador- geral da República. Mais do que isso: há os crimes confessados; há os réus confessos; há aqueles, embora evidentes, ainda por provar.
Certo, terrivelmente certo, sempre esteve José Dirceu quando liderou o esforço contra a renúncia dos petistas — ou de quaisquer outros acusados. Por mais que ele tenha esperneado para manter o próprio mandato e para reaver os direitos políticos, sabia que estava condenado. Nem por isso, como se vê, perdeu o poder ou se obriga a andar de avião de carreira, junto com a arraia-miúda: todos nós. Apostou, como nenhum outro, no que deve considerar “resistência política” e sempre soube que o apparatchik petista era mobilizável: afinal, o partido não passou 25 anos aparelhando as instituições da República, imprensa incluída, por nada.
A exemplo das tragédias gregas, estamos sendo confrontados com o mais profundo de nós mesmos. A eventual reeleição dos mensaleiros — e fico sabendo que Valdemar Costa Neto mostra impressionante fôlego em campanha pelo interior de São Paulo — bem como a do presidente Lula porão o Brasil num novo patamar, inferior a tudo o que já tivemos até agora. Sim, senhores: os efeitos podem ser mais deletérios do que os da ditadura. Naquele caso, sempre restava a esperança. E a todos estava claro, inclusive aos ditadores, que se vivia um período de exceção. O PT inova e entroniza a bandalheira como regra. E, se assim estamos, não adianta negar, é porque é isso o que merecemos. Como na porta do inferno, melhor deixar a esperança do lado de fora.
[reinaldo@primeiraleitura.com.br]Publicado em 25 de abril de 2006.
3 comentários:
Então Zappi, é exatamente como estávamos conversando outro dia: não são só eles os culpados, eles precisam do nosso voto pra voltar lá e continuar com a baixaria. E, em alguns casos, os votos estão garantidos. Em última análise, somos todos como eles. Só não temos o mandato. Por isso é que tem tanta gente querendo sair daqui, querendo ser italiano, espanhol ou qualquer outra nacionalidade que se possa comprovar através dos documentos dos seus antepassados.
Se beber não dirija. Nem governe.
"... Até aqui, em 25 meses de governo, o presidente Lula já cometeu 62 viagens ao mundo. Ou mais de duas por mês, tal como semana sim, semana não. Sem contar, ora pois, as até aqui, 177 viagens pelo Brasil. Hoje, dia 15, ele completa 115 dias fora do país desde a posse. E pelo Brasil, no mesmo período, 335 dias fora de Brasília. Total da itinerância presidencial, caso único no mundo e na História: exatos 450 dias fora do Palácio, em exatos 777 dias de presidência.
Governar ou despachar, nem pensar. A ordem é circular. A qualquer pretexto. E sendo aqui deselegante, digo que o presidente não é (nem nunca foi) chegado ao batente, ao despacho, ao expediente. Jamais poderá mourejar no gabinete, dez horas por dia, um simpático mandatário que tem na biografia o nunca ter se sentado à mesa nem para estudar, nem para trabalhar. Gostaria de acrescentar que na sua biografia não consta também de ele ter lido um só livro na vida"
JOELMIR BETING
A qualidade humana do presidente é essa mesma. Choca-me que as pessoas só tenham reparado agora. Sair do Brasil é fácil. Mudar a mentalidade e a escala de valores é um desafio e tanto. Como se entra em 190 milhões de cabeças e se ensina que estudar é o caminho para o progresso, uma vez que os exemplos mostram o contrário?
Larry Rohter, o correspondente do New York Times, é destratado por quase todo o mundo, o que mostra um pouco da xenofobia vigente aí. Entretanto ele é casado com uma brasileira (até onde sei) e todos os seus artigos mostram que ele gosta, e muito, do Brasil. Foi o maior escândalo quando ele disse que o presidente bebe como um porco (e foi muito mais delicado que isso). Larry mostrou ao Brasil a qualidade totalitária e agressiva do porco. Ele correu risco pessoal de ser extraditado para mostrar a verdade. Amigo de verdade do Brasil, que todos detestam. O Brasil precisa escolher melhor seus amigos.
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