2009-02-15

Todos os fogos, o fogo

Antes daquele sábado fatídico (7 de Fevereiro de 2009), o Australian Bureau of Metereology já avisava: teríamos 47°C e ventos de 80 km/h. Uau! O que significa isso?

Eu nunca tinha estado em nenhum lugar cuja temperatura chegasse a níveis absurdos como esse. Para se ter uma idéia, em Manaus, uma cidade famosa de tão quente, a temperatura raramente passa dos 33°C. A diferença é a humidade, que em Manaus beira os 100% todos os dias.

Em Melbourne os poucos dias de calor são secos. Isso faz com que não percebamos tanto, mas ao mesmo tempo temos que tomar cuidados especiais. A desidratação é certa se não bebermos água continuamente.

Esse dia o tempo foi seco, mas era diferente. Fazia tanto calor que o ar queimava a pele. Nunca havia sentido isso. A absurda ventania fazia imaginar que estávamos todos dentro de um secador de cabelos. Folhas secas e restos de cascas de árvore eram levantadas pelo vento em absurdos redemoinhos. Bastaria uma fagulha, uma minúscula fagulha em qualquer lugar...

E fagulha houve. Mais de uma, naturalmente. O vento alimentava o fogo que se propagava à velocidade do vento. Quem estivesse no caminho do fogo sofreria morte certa, estivesse a pé, dentro de um carro ou em casa. O inferno varreu casas, matou famílias inteiras, não poupou crianças de uma morte horrível. Vejam o como é o inferno na terra aqui. Quem filmou isto só sobreviveu porque não foi pego diretamente pelo gigantesco redemoinho de fogo.

Tragédia inevitável? Vejamos.

O fogo é velho conhecido das florestas australianas. Quando Darwin esteve aqui, há mais de 150 anos, ficou impressionado pela falta de diversidade de árvores nas gigantescas florestas quase que exclusivamente de eucaliptos. O motivo é que os eucaliptos desenvolveram alguma estratégia para sobreviver a estes infernos. A floresta australiana tem queimado por muitos milhões de anos!

Os eucaliptos perdem folhas e pedaços de casca que vão acumulando material combustível no solo por décadas. Aproximadamente uma tonelada de folhas secas por hectare por ano ficam ali, esperando um dia mais seco e quente para queimar. Após 8 anos o volume de material combustível já é suficiente para gerar as monstruosidades que vimos nesse sábado negro.

Os colonizadores ingleses surpreenderam-se com um destes impressionantes incêndios em 1851, quando houve muitas mortes. Hoje em dia a situação é muito mais perigosa pois é cada vez mais comum encontrar gente que, por algum irracional impulso "natureba", quer ir morar no meio do "Australian bush". Estive recentemente em um dos lugares que queimaram totalmente. As casas, rodeadas de árvores, pareciam desertas, como muitas vezes acontece por aqui. A vida australiana é sempre nos fundos. Lugarzinhos bucólicos, sombreados, com casas de madeira, algum brinquedo de criança na frente. Imediatamente penso na fábula dos três porquinhos e a casa de palha. Quem viu os estragos notou que em muitos lugares, apesar das árvores maiores terem resistido, as casas se transformaram em amontoados de cinza e metal retorcido. Casas de madeira, no caminho dessa onda de fogo, queimam em segundos. A madeira seca, quando irradiada pelo furacão incendiário, começa a queimar instantaneamente.

Você teria uma casa de madeira no meio de uma floresta que vai com certeza queimar totalmente? Esse é o primeiro absurdo que notei e que ninguém menciona na imprensa. Todos estão preocupados com a causa do incêndio, com quem acendeu o fósforo. Muito poucos estão pensando em como teríamos que ter evitado as consequências.

Em um próximo post (clique aqui para continuar lendo) explicarei o que deveria ter sido feito para evitar o desastre, que já era inevitável.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Zappi,
Sempre tive curiosidade de conhecer a Australia e a Nova Zelandia. Sua descrição da força desses incendios não dininui meu interesse. A limitação é mais financeirea e de idade (71). O que fica patente é que com a natureza não se brinca.
Abraços
Claudio Janowitzer
PS1.: Os que nunca leram Nietzsche, Dawkins e assemelhados dirão: "Com Deus não se brinca".
PS2. Aqui no Rio de Janeiro não temos incendios dessas proporções. Só umas balas perdidas de vez em quando.

Saramar disse...

Sinto muito por esta tragédia repetida e, como você explicou, anunciada.
Por outro lado, creio que nenhum governo se preocupa com prevenção.

beijos, boa semana para você.

Ciro Fuzihara disse...

Arrogância humana achar que podemos sobrepujar a natureza?
Não sei se é um consolo saber que os desastres acontecem tambem em paises desenvolvidos e nao apenas em paises com governos populistas que só falam em fazer algo apos o desastre acontecer.