Muitos e muitos anos atrás, eu estava visitando a GE no Rio, na Baixada Fluminense. A GE era imensa e fabricava lâmpadas e equipamentos elétricos. Devia ter uns 2000 funcionários. Ficava rodeada de morros que, naturalmente, estavam cobertos por favelas.
Enquanto estava esperando alguém, ouvi uma secretária conversando com a outra:
- Você não veio ontem, menina, você perdeu, foi o maior rebu...
- Eu soube, mas conta, conta como foi.
- O Escadinha, fugindo da polícia desceu o morro e atravessou a fábrica. A polícia veio atrás, foi tiro pra todo lado.
- E vocês o que fizeram?
- Todo mundo se jogou no chão, debaixo das mesas.
- Até o Seu Pereira?
- Foi o primeiro a se agachar (hahaha), tinha mesas onde não cabia mais gente (hahaha)
- Hihihihi
Para quem não lembra, o Escadinha (aqui) era o bandido da hora naquela época, como o Marcola hoje. As moças da GE nem disfarçavam a admiração que tinham por ele. A polícia... bom, se alguém tivesse sido ferido os policiais teriam levado a culpa. Todo mundo se voltaria contra eles. O Escadinha era tolerado e, mais do que isso, era uma espécie de herói.
Tolerância, essa virtude tão valiosa...
Devemos mesmo tolerar o banditismo? O que acontece quando toleramos algo que nos é desfavorável?
Para tentar entender melhor, vamos ver se encontramos exemplos na Natureza, na relação entre parasitas e hospedeiros. Em um mundo com recursos limitados, há uma guerra contínua para conseguir fontes de alimento. As fontes estão devidamente protegidas. As plantas desenvolvem armas químicas que impedem o seu uso como alimento para a grande maioria dos animais.
A grama, por exemplo, só pode ser eficientemente consumida por ruminantes, já que a sua digestão é extremamente difícil. Os que conseguiram desenvolver esta habilidade são muito bem sucedidos, pois podem pastar à vontade, extraindo proteína e energia sempre que houver grama. Ser ruminante é portanto vantajoso onde existir grama. Isso quer dizer que a vida dos ruminantes é fácil? Em um mundo com ruminantes e grama, qual a fonte mais fácil de alimento? Os alces do Alaska são atacados por mosquitos. Os mosquitos encontraram esse atalho: não podendo pastar, consomem o sangue dos ruminantes. E não pensem que os alces conseguem ignorar os mosquitos: são atacados por tantos insetos que chegam a perder peso, até a morrer.
O resultado que vimos acima deve-se aos alces não reagirem aos mosquitos. O número de mosquitos aumenta tremendamente até o ponto em que chegam a sugar uma parcela significativa do sangue das vítimas. O número de mosquitos será o máximo que os alces podem suportar. A população de alces chega a diminuir. Nada acontece aos mosquitos, que podem simplesmente ir até o alce mais próximo e picá-lo tranquilamente.
Imaginemos agora que os alces pudessem matar mosquitos, mas que isso tivesse um custo: quando matam mosquitos, teriam que parar de comer. Como os mosquitos realmente incomodam, os alces os matariam aos milhões. Os que sobrassem conseguiriam se reproduzir. Sobrariam os mosquitos mais espertos, os que esperam para atacar, os que só atacam quando os alces estão comendo ou dormindo. Haveria muito menos mosquitos, mas os que sobrassem seriam astutos e agressivos. Afinal teriam que se alimentar rapidamente, antes que os alces tivessem tempo de eliminá-los.
O resultado seria positivo para os alces: o número de mosquitos diminuiria tremendamente. Os mosquitos que sobrassem seriam mais agressivos, rápidos. Faz sentido: se o alce os pega, acabou a festa. O próximo passo dos alces seria desenvolver novas técnicas para pegar os mosquitos remanescentes, mas vai chegar um momento no qual não vai mais valer a pena: afinal sobraram tão poucos...
O brasileiro é como alce e os corruptos e bandidos são os mosquitos. De tanto tolerar, o brasileiro agora doa gentilmente uma parcela grande de seu próprio sangue para os parasitas. E estes sugam tranquilamente, à luz do dia, sem medo de serem pegos. Sem revolta, sem agressividade, o brasileiro só definha lentamente.
Se se prendessem os bandidos, estes reagiriam. Ficariam mais agressivos, astutos. Mas seriam muito poucos. Teriam que agir na calada da noite, temendo sempre o pior. Não drenariam as energias que o país está precisando tão urgentemente para crescer. Não teríamos um governo conivente com bandidos, mentiroso. Roubando à luz do dia... e rindo.
É a consequência imediata da tolerância.
4 comentários:
Meu amigo, que beleza de texto!
Didático, eu diria.
A própria palabra tolerâncai já é antipática, muito mais a sua prática e pior ainda quando direcionada aos bandidos, os de chinelos e os de gravatas.
obrigada.
Beijos e boa semana para você.
Obrigado saramar!
Às vezes a tolerância é necessária para a convivência, mas conviver com bandidos não é saudável...
Muito boa sorte.
Zappi
Tolerância deve ser como democracia: meu direito termina quando começa o direito de meu semelhante. (ou, reescrevendo a frase, a tolerância termina onde começa o desrespeito ao direito do semelhante.) Parabéns pelo belo texto Paulo!
A campanha 2006 do TSE tentava timidamente mudar isso. Foi uma chiadeira na corte. Deu no que deu.
Será alguma teoria de conspiração com mensagens subliminares?.
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