2006-11-26

Ilusões e café

Johan Sebastian Bach viveu no século 18. Aparentemente foi religioso e conservador, além de ter tido um montão de filhos. Algumas de suas cantatas descrevem, obscuras, as alegrias de carregar a cruz e morrer para ir ao paraíso. A "Paixão segundo São Mateus" tem algumas das árias mais maravilhosas da história da música ocidental, inspiradas no sofrimento de Jesus.

Algumas cantatas são levezinhas, no entanto. Uma bem intrigante é a "Cantata do Café".

"O que você imagina quando ouve a cantata?" - pergunto a um amigo

"Eu vejo os camponeses plantando café, e vejo uma dança na aldeia... " - responde ele, ingenuamente.

Entendo alemão: não é essa a história da cantata. Nem poderia ser: café não era plantado na Europa, sendo importado provavelmente da Arábia. Devia ser um produto de luxo na época. A história é a de um velho (Schlendrian) que mora com sua filha (Liesgen). Schlendrian está furioso porque Liesgen bebe todo o café. Resmunga e pragueja. Liesgen, toda doce, diz para o pai não ser tão severo. O pai ameaça proibí-la de passear. Ela diz que não se importa desde que possa tomar café. O pai vai aumentando as ameaças, e ela vai aceitando tudo, não olhar pela janela, não ter vestidos, nada de jóias... aí, em um lampejo, Schlendrian diz que não deixará que ela se case enquanto ele viver...

A "pobre" Liesgen cede... sim, um homem! E aceita parar de tomar café se o pai lhe conseguir um marido. Parece que Schlendrian estava mesmo farto e saiu imediatamente para a cidade para arranjar um marido naquele mesmo dia.

Liesgen, marota, confidencia aos ouvintes, após o pai sair: eu não vou deixar nenhum vagabundo entrar nesta casa se não se comprometer a me deixar tomar café quando tiver vontade. E por escrito...

A parte final pergunta: se o gato não deixa o rato em paz, por que as moças não podem tomar café? As mães adoram, as avós não se privam, quem é que vai censurar as filhas?

Adoro a ária "Ei, wie schmeckt der Coffee süße" onde Liesgen descreve como a bebida é maravilhosa.

Acho que prefiro a realidade à versão imaginada pelo meu amigo. Sei lá, camponeses alegres dançando após a colheita seriam uma imagem mais apropriada para alguém mais idealista. Beethoven acreditava que Napoleão salvaria a Europa, unificando-a, até o momento que ouviu os canhões e viu os mortos. Muito idealismo leva a decepções dolorosas.

Essa cantata parece uma fantástica peça de marketing, bem no estilo capitalista... Imagino como o café devia ser caro naquela época. Só para ricos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Zappi,

Esta bem escrito:
-Muito idealismo leva a decepções dolorosas.

Estou totalmente de acordo!

Abrs