Eu admiro os roteiristas. Não tanto pela infinidade de besteiras proferidas em alta velocidade pelos personagens de "Friends", série que abomino. Pensando melhor, talvez devesse admirá-los também por isso... imaginem quão difícil deve ser fazer essa gente chata de "Friends" ou "Seinfeld", "ER" ou "Will and Grace" dizer algo coerente, divertido ou inteligente. Imagino a vontade que muitos roteiristas tem de acabar de uma vez com a vida desses personagens chatíssimos.
Não, eu os admiro mais pelos ocasionais lampejos de genialidade, por caracterizações psicológicas mais complexas, como em "Nip & Tuck" ou "Monk", com seus lampejos de humor... Aquele é um "Monk", já dizemos, quando encontramos um louquinho como ele.
Nestas férias topei com um personagem impressionante. Trata-se de Dexter, o assassino serial que trabalha para a polícia de Miami.
Dexter tem um problema que o tortura continuamente. Ele tem que esconder de todos o que ele realmente é. Mas aí é que vem a parte interessante: o problema não é esconder que ele é um assassino serial. O problema é esconder o fato de que ele não sente qualquer emoção. É isso que faz dele um monstro.
O caso de Dexter não é trivial. Muitos já tentaram descrever monstros como Dexter, eu acredito que "O homem sem qualidades" de Robert Musil era um desses. Musil o descreve cuidadosamente; mais descrevendo os seus atos, reações a eventos externos e pensamentos do que caracterizando-o verdadeiramente. Isso porque "O homem sem qualidades" é incaracterizável, quase que por definição, assim como Dexter.
No caso da série americana, o perfil psicológico de "Dex" é muitíssimo astuto. Ele fala contínuamente consigo mesmo e só por esse motivo o entendemos, ainda que uma pessoa com sentimentos "normais" tenha incrível dificuldade de captar verdadeiramente as conseqüências da aberração que Dexter é.
"Sem emoções" é uma simplificação para fazer de Dexter um tipo mais palatável. O fato de que esse assassino só mata gente ruim pode fazê-lo simpático aos olhos dos mais simplórios. A série deixa entretanto claro que isso é um mero acidente, um resultado de cuidadoso condicionamento de Dexter pelo seu pai adotivo, o único que sabia o "grande segredo". Dexter na verdade sente, mas os seus sentimentos não se manifestam diretamente no seu pensamento. Por exemplo, para perceber que está aterrorizado, Dexter põe a mão no coração que bate fortemente. O sorriso com que Dexter nos brinda a seguir é definitivamente impagável.
Somos o que sentimos. Por esse motivo Dexter simplesmente não é. Ele mesmo, em um lampejo incrível de lucidez, se descreve como uma coleção de respostas aprendidas e comportamentos fingidos. O vazio interior desse ser estranho é quase impossível de imaginar.
Há muito conhecimento de psicologia por trás dessa personagem macabra. Eu não tenho dúvidas de que quem quer que o tenha criado conheceu, como Musil, um monstro desconexo que lhe assombrou a existência.
4 comentários:
Eita, Zappi,
estás virando um escritor...
Obrigado, Tambosi... mas não é para exagerar. É só um textinho!
Concordo com você na crítica ao Reinaldo Azevedo e à ira dos carolas de plantão. Só divergimos numa coisinha: eu adoro Friends! Seinfeld, etc. :)
Sou um alienado pela indústria cultural :)))
abs
PH:
E o que você acha de Dexter?
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