2010-04-04

Diferenças



É sempre a partir de uma posição privilegiada que podemos entender qualquer mudança. É por isso que é comum se chamar alguém de fora cada vez que se quer analisar uma situação, uma companhia ou uma sociedade. Quem está dentro não percebe, como não percebemos que a terra gira em torno de si própria, como não percebemos que moramos na ponta de um monstruoso braço de uma galáxia espiral.

Acabo de voltar de uma visita-relâmpago ao país do pau-brasil. Em si já é interessante que os portugueses não tenham percebido nada mais digno de nota que pudesse emprestar um nome menos irrelevante a um gigantesco território coberto de mata como esse. Falta de imaginação?

A primeira impressão que tive depois de 5 anos distante desse lugar foram as mudanças de magnitude: mais gente, mais trânsito, mais caos, mais poluição, mais polícia e mais agressividade. Entretanto seriam esta mudanças reais ou simplesmente uma ilusão devida ao fato de eu ter vivido tanto tempo em um lugar tão mais tranquilo? Devem ser reais, já que até os habitantes locais perceberam estas diferenças.

Mais sutil é a mudança de luz quando uma grande chuva está prestes a cair. Centenas de motoqueiros se aglomeram embaixo dos viadutos cuja sombra úmida os parece guiar, como em procissão organizada. O que fazem? Todos vestem macacões de plástico preto, em uma sincronia assíncrona, independente. A profetizada chuva cai, violenta, mas os motociclistas nunca param mais que o tempo suficiente para se embrulharem e sair em disparada de sua temporária escura catedral.

Notei outras diferenças na semântica. No Metrô, o que antes era "Bilheteria" agora se chama "Bilheteria Blindada". Interessante variação esta, que vai na contramão de corriqueiros diminutivos que costumavam encurtar as palavras como "vosmecê" que virou simplesmente "você". Eu me pergunto se é uma variação linguística ou simplesmente um anúncio para o pretenso bandido saber de antemão o que lhe espera se tentar assaltar a tal Blindada. 

Ainda na língua coloquial, notei que agora a ignorância invadiu o que no Brasil seria a mídia de 'primeira classe'. Ouvi na previsão de tempo da Globo que a nebulosidade iria aumentar "na medida que a 'hora' passa". Bonito isso. Singulares e plurais errôneos proliferam também no rádio e são corrigidos (ou não) por outros locutores. Espelham-se no grande líder de Garanhuns?

Mas será que as diferenças caracterizam esse lugar tão perfeitamente quanto as semelhanças? O que é que não mudou nos últimos 5 anos?

Estive aí durante o interessantíssimo julgamento do casal Nardoni, o pai e a madrasta que esganaram uma menina e a jogaram pela janela. Não se falava de outra coisa, as televisões ligadas em qualquer canal só acompanhavam esta notícia. Tive uma sensação de dejà-vu com o assassinato de Daniela Perez. Os assassinos de Daniela já estão soltos. Os Nardoni logo estarão soltos também.

O espírito da continuidade se manifesta entretanto em outros detalhes que por vezes passam desapercebidos. No caso de Daniela Perez quem foi destruída e demonizada foi a mãe. Quem teve que fazer de tudo para garantir a condenação dos assassinos foi justamente aquela que, sem aliados nem simpatizantes, havia perdido tudo o que tinha na filha assassinada. Também no caso Nardoni, quem foi presa foi a mãe. Como?

Tranquilo, impassível, um juiz mandou prender a mãe - já mortalmente ferida - em um cubículo. Razão? A simples presença inconveniente da pobre mãe que perdera uma filha poderia influenciar os jurados. Para resolver esse problema, fecha-se a pobre mulher eu um quartinho de modo que não possa falar com ninguém. Por dias. 

A Justiça brasileira parece entender que é um tremento inconveniente para um julgamento que os assassinados pudessem ter tido parentes que os amavam. No espírito de conseguir um julgamento não mais justo, mas mais brando para um assassino qualquer, a justiça ignóbil de um país de paus-brasis não hesita em penalizar quem já sofreu a pior das dores.


Pensando bem, não mudou nada, afinal.

2 comentários:

Felipe Pait disse...

Na Austrália os jornais e TV não escolhem de vez em quando um crime medonho para falar sem parar? E tem medo que se mostrarem qualquer outra coisa o povo muda de canal?

Zappi disse...

Oi Fritz!

Sim, os crimes medonhos são super populares na mídia daqui. Até mini-séries e filmes são feitos a partir dos piores assassinatos.

O que quero dizer é no entanto que a justiça australiana não penaliza inocentes como se fez com a mãe da menina. Só isso diz muito a respeito da humanidade de um povo.