Um belo avião, um Airbus moderníssimo. Longa viagem, video para passar o tempo. Vários filmes bobos, um canal com 'pegadinhas' de uma emissora canadense. Estou cansado, quero dormir. O canal de áudio de música clássica volta ao início depois de duas horas, não quero ficar ouvindo tudo repetido... lembro de um vôo para a Europa, quando tinha 17 anos, a "overture 1812" repetiu os tiros de canhão tantas vezes...
O piloto avisa: o canal 14 transmite as comunicações de rádio. Boa! Quem sabe me ajuda a descansar. Sintonizo e ouço o silêncio. Mas não era um silêncio imediato entretanto, de um rádio desligado. Era o silêncio do vazio, da imensidão que separa o avião da torre ou de outro avião. Muito raramente, fala uma voz com alguma estática, alguém responde. Uma gíria desconhecida, uma forma de falar que me parecia estranha no início. Aos poucos ia me acostumando e entendendo mais: estes éramos nós, esses eram da torre de Los Angeles. Esses eram de outro vôo, falando com a torre. Mais fraco: provavelmente mais distante. Às vezes ouvia-se somente a torre de controle, eu adivinhava a resposta de um vôo longínquo.
Os longos silêncios nos remetiam a essa noite estranha, a esses espaços imensos. Imprevisíveis, as conversas vinham, entrecortadas, quase nos dizendo onde estavam, eu quase as localizava em uma tela de radar à medida que adormecia. Os aviões estavam conectados a essa malha maravilhosa de ondas de rádio. As conversas eram curtas e precisas: uma pergunta, uma resposta, um agradecimento. Via os maravilhosos painéis iluminados na noite que era impenetrável para os olhos, mas transparente para o rádio. Muitas décadas de tecnologia seguravam essa imensa máquina no ar, enquanto os passageiros assistiam vídeos idiotas.
Um silêncio mais longo me garantiu que voávamos sobre território despovoado, talvez o oceano, talvez uma extensa floresta, a cada hora percorríamos mil quilômetros. Então algo diferente aconteceu: uma conversa distante, mas, surpreendentemente em Português. Por quê? Passamos pelo México, América Central, todos países de fala hispana e todas as comunicações eram em perfeito e impecável Inglês. O nosso comandante, eu já lhe reconhecia a voz, se dirige a um controlador... uma pausa mais longa. Alguém pede para repetir, com forte sotaque brasileiro, não parece ter entendido. O comandante, paciente e seguro, repete devagar. O brasileiro responde, em Inglês.
Pensei que, de repente, as comunicações ficaram mais difíceis. O piloto americano tinha dificuldade em falar com o brasileiro da torre. As conversas entre torre e outros pilotos continuavam, profusas, em Português, imperscrutável para o nosso comandante. Será que esses atrasos e mal-entendidos não seriam perigosos? Quanto significariam esses dez segundos a mais que os controladores levavam para entender Inglês? Fiz as contas mentalmente...dez segundos... mil quilômetros por hora, trezentos metros por segundo... uns três quilômetros. Considerando que outro vôo podia vir em direção contrária, três vezes dois... 6 quilômetros.
Dez segundos de atraso significam 6 quilômetros em um choque entre aviões. Pensei na tecnologia envolvida nos aviões, e como esta está comprometida por alguém que não aprende nem Inglês, a língua universal do espaço aéreo. Pensei que o Brasil não exige Inglês nem para o serviço diplomático, qual será o nível exigido dos controladores de vôo?
Não me preocupei. Apesar desse atraso de dez segundos, senti confiança em meu piloto. Ele parecia saber do problema e sua voz nem se alterou. Os equipamentos de segurança nos protegeriam da ignorância, pensei. Apoiei a cabeça no travesseiro e adormeci.
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O piloto avisa: o canal 14 transmite as comunicações de rádio. Boa! Quem sabe me ajuda a descansar. Sintonizo e ouço o silêncio. Mas não era um silêncio imediato entretanto, de um rádio desligado. Era o silêncio do vazio, da imensidão que separa o avião da torre ou de outro avião. Muito raramente, fala uma voz com alguma estática, alguém responde. Uma gíria desconhecida, uma forma de falar que me parecia estranha no início. Aos poucos ia me acostumando e entendendo mais: estes éramos nós, esses eram da torre de Los Angeles. Esses eram de outro vôo, falando com a torre. Mais fraco: provavelmente mais distante. Às vezes ouvia-se somente a torre de controle, eu adivinhava a resposta de um vôo longínquo.
Os longos silêncios nos remetiam a essa noite estranha, a esses espaços imensos. Imprevisíveis, as conversas vinham, entrecortadas, quase nos dizendo onde estavam, eu quase as localizava em uma tela de radar à medida que adormecia. Os aviões estavam conectados a essa malha maravilhosa de ondas de rádio. As conversas eram curtas e precisas: uma pergunta, uma resposta, um agradecimento. Via os maravilhosos painéis iluminados na noite que era impenetrável para os olhos, mas transparente para o rádio. Muitas décadas de tecnologia seguravam essa imensa máquina no ar, enquanto os passageiros assistiam vídeos idiotas.
Um silêncio mais longo me garantiu que voávamos sobre território despovoado, talvez o oceano, talvez uma extensa floresta, a cada hora percorríamos mil quilômetros. Então algo diferente aconteceu: uma conversa distante, mas, surpreendentemente em Português. Por quê? Passamos pelo México, América Central, todos países de fala hispana e todas as comunicações eram em perfeito e impecável Inglês. O nosso comandante, eu já lhe reconhecia a voz, se dirige a um controlador... uma pausa mais longa. Alguém pede para repetir, com forte sotaque brasileiro, não parece ter entendido. O comandante, paciente e seguro, repete devagar. O brasileiro responde, em Inglês.
Pensei que, de repente, as comunicações ficaram mais difíceis. O piloto americano tinha dificuldade em falar com o brasileiro da torre. As conversas entre torre e outros pilotos continuavam, profusas, em Português, imperscrutável para o nosso comandante. Será que esses atrasos e mal-entendidos não seriam perigosos? Quanto significariam esses dez segundos a mais que os controladores levavam para entender Inglês? Fiz as contas mentalmente...dez segundos... mil quilômetros por hora, trezentos metros por segundo... uns três quilômetros. Considerando que outro vôo podia vir em direção contrária, três vezes dois... 6 quilômetros.
Dez segundos de atraso significam 6 quilômetros em um choque entre aviões. Pensei na tecnologia envolvida nos aviões, e como esta está comprometida por alguém que não aprende nem Inglês, a língua universal do espaço aéreo. Pensei que o Brasil não exige Inglês nem para o serviço diplomático, qual será o nível exigido dos controladores de vôo?
Não me preocupei. Apesar desse atraso de dez segundos, senti confiança em meu piloto. Ele parecia saber do problema e sua voz nem se alterou. Os equipamentos de segurança nos protegeriam da ignorância, pensei. Apoiei a cabeça no travesseiro e adormeci.
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10 comentários:
Paulo, perfeito seu relato, é de dar arrepios de medo. Como se sentir seguro vivendo em um país como este?
Parece que não se leva a sério mesmo nem vidas humanas.
Abraços,
lila
Legal o seu relato, chequei aqui pelo Reinaldo. Eu concordo inteiramente, é impressionante como o ensino de inglês sempre foi ruim no Brasil. E o pior é que só tende a piorar, haja vista que os petralhas acham que falar inglês é desnecessário e não combina com a postura terceiro-mundista deles. Vide o que foi feito no Itamaraty, onde o inglês passou a não ser mais eliminatório... Triste.
Tristeza, Zappi: é vôo cego no ar e vôo ainda mais cego no chão...
Belo relato.
Caro Zappi, show. Posso publicar teu texto no meu blog (www.blogdodiego.com.br)? Abs Diego
Claro que pode publicar, Diego.
Um abraço,
Zappi
Caro Zappi,
Cheguei aqui pelo seu post no Blog do Reinaldo Azevedo. Inicialmente, agradeço pelo seu texto. Muito bem escrito. Em segundo, uma sugestão, o Blog do Serrão:
http://alertatotal.blogspot.com/
Anteontem, na quinta-feira, ele publicou uma notícia exclusiva. Segundo ele, o software do CINDACTA, está defasado e foi comprovado que apresenta erros, até grosseiros. O desgoverno, pelos motivos que conhecemos, esconde a operação de atualização, realizada exatamente neste momento. É isso que estaria por trás da "operação-padrão", muito mal explicada.
http://alertatotal.blogspot.com/2006/11/defasagem-no-software-do-cindacta-1-por.html
Zappi,o post é OTIMO!!!
Realmente o INGLÊS é lingua universal ate mesmo pra MEDICINA, imagine o QUANTO torna-se VITAL nas TORRES DE CONTROLE AEREO?!?!?!
A não EXIGENCIA ATUAL do inglês em serviço diplomatico AFUNDA O BRASIL AINDA MAIS alem de colocar EM perigo OS INTERESES do PAIS...
Gostei DA DOSE DE OTIMISMO,quando você não se preocupou, sentido "confiança nos pilotos", apoiou a cabeça no travesseiro e adormeceu confiante porque o EQUIPAMENTOS de segurança nos PROTEGERIAM DA IGNORANCIA...
Eu não consigo viajar em vôos charters aqueles que organisam viagens com preços desafiando a concorrencia dos vôos em companhias SERIAS, onde EU POSSA conseguir adormecer durante alguns momentos durante o vôo.
Não viajo em PAIS "estranho" nem moro em bairros "estranhos" sou consevadora dos meus "guetos" e nem me aborreço mais, quando dizem que sou "antipatica e snob"(desde de criança),porque gosto de viajar com segurança e o acidente ocorrido no periodo das eleições do BRASIL reforça meus criterios de viajens...não IREI NO BRASIL ENQUANTO O REGIME PTRALHA ESTIVER NO PODER.Abrs
P.S: Zappi gosto do seu blog e vou me inscrever pra receber seus posts por mail apos troca de fornecedor de internete.
Pô Zappi, deixa o homi trabalhar!.
O PT quer fazer a inclusão social e voce aqui desmerecendo controladores e diplomatas sem dominio da lingua inglesa?.
Assim como um presidente sem o ensino fundamental completo, chegou a hora de todo mundo ter uma chance na vida.
Voce esqueceu dos médicos cubanos que não se dispõe a passar por bancas de avaliação.
Estamos perdidos.
Zappi, eu sou arquiteto de software, e presidente do capítulo Brasil da IASA (International Association of Software Architects). O que me impressiona, é que em minha profissão, o domínio do inglês deveria ser a norma, afinal, com o avanço da tecnologia, simplesmente não há tempo para se traduzir tudo antes que fique obsoleto. Vejo na IASA, que em todo os capítulos espalhados pelo mundo, a lingua comum é o inglês, o que me permite discutir com colegas indianos, malásios, franceses, italianos, enfim, gente de todo o mundo. Mas montando o capítulo brasileiro, fui praticamente forçado à usar a língua portuguesa. Ou seja, nós nos isolamos do resto do mundo. Enquanto a IBM e a Microsoft e a Oracle investem pesadamente em países asiáticos, porque esses se integram ao mundo, é comum entre engenheiros brasileiros, que eles resitam frontalmente à qualquer documentação em inglês. No meu próprio trabalho, levantei a questão da necessidade de mantermos o nome de variáveis e tipos nos nossos programas em inglês, bem como a documentação básica. Aleguei que isso era necessário, porque num mundo globalizado, podemos amanha precisar ter um consultor indiano ou americano ou de qualquer outro país, e que a lingua inglesa não é americana ou inglesa, mas sim a lingua universal da tecnologia, e que até os engenheiros de software chineses se comunicam entre si nos seus e-mail usando a mesma. Você precisava ver a cara de descrença deles. Enquanto o mundo todo se integra, para eles, a hipótese de termos uma equipe internacional em algum momento, lhes parecia algo de outro mundo.
Antigamente, aprender inglês, era necessário até mesmo para se poder fazer um curso universitário. Hoje, nos fechamos nesse provincianismo ignorante e atrasado. O Chile entrou num esforço para que todas as crianças saiam do ensino secundário tendo o inglês efetivamente como segunda língua. Aqui, ficamos nessa palhaçada de espanhol, que até é importante, mas menos importante que o inglês. Agora me diga: até quando continuaremos apostando no atraso?
Humm... se te consola, aqui na Argentina temos exatamente o mesmo problema. E otros más...
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