2006-08-31

Conceito e preconceito



Entre as muitas distorções intelectuais comuns no país das bananas, há uma que me irrita especialmente. Esta distorção é tão grave que acredito que seja uma das causas principais do baixo crescimento econômico de um país que deveria estar entre os maiores do mundo. Essa distorção deriva do uso errôneo da palavra "preconceito".

Pelo fato do brasileiro ser o resultado de uma incrível mistura de raças e origens nacionais sempre existiu o receio de que conflitos raciais surgissem e impedissem a convivência pacífica. Nunca houve um sistema de castas como o que perdura até hoje na India ou um regime de segregação forçada como o imposto pelo governo na Africa do Sul. O país das bananas sempre se caracterizou pela mistura. Uma vantagem é a diminuição de problemas raciais. Se o seu pai é negro e sua mãe é japonesa você não tem motivo para ter preconceito contra estas etnias.

Infelizmente, a miscigenação brasileira também se deu por permissividade excessiva. Talvez isso venha dos senhores de engenho que engravidavam as escravas, ou dos portugueses com as índias... A grande festa do carnaval é só o resultado: um festival do pode-tudo.

Eu nem reclamo de tudo isso. O que eu realmente abomino é o fato desta permissividade gerar filhos. Necessariamente filhos sem família. Estes quase certamente estão em desvantagem: uma família tende a ajudar os filhos a melhorar, pais de verdade sempre querem que os filhos cresçam e se desenvolvam mais do que eles próprios puderam ou ousaram. Colocar filhos no mundo dessa forma descarada e irresponsável é uma atitude criminosa.

Os filhos sem família geram um contingente enorme de deseducados. Educação custa dinheiro. E prestem atenção: não faz diferença se esse dinheiro vem do Estado ou do próprio bolso! Isto porque o dinheiro do Estado é, em última instância, o dinheiro do próprio bolso: em um país pobre, o Estado não terá recursos suficientes. É claro que em uma sociedade desigual como a nossa o Estado pode ajudar, facilitando o acesso universal à educação básica. Mas a Banânia (obrigado ao Reinaldo Azevedo pela expressão) não é rica e desigual. É pobre e desigual. Por que é tão desigual? Por causa do motivo acima: sem família não há valores e nem incentivo à melhora. Alguns crescem e os outros afundam.

Volto ao preconceito. Muitas atitudes são taxadas de preconceituosas, sem que se pense duas vezes sobre o que isto significa. O próprio presidente usa e abusa do termo em benefício próprio, baseando-se no fato de que teve origem pobre e seus pais não estudaram. As leis do Brasil citam preconceito relacionado com "origem" sem especificar o que isso significa realmente.

A palavra preconceito significa pré-julgamento. É uma definição ampla. Vou citar um exemplo, só para ilustrar melhor. Imagine que temos que contratar um funcionário, cuja função será responder a e-mails de clientes e direcioná-los aos canais apropriados dentro da empresa. É estabelecido que os candidatos tem que fazer uma prova na qual são avaliados os conhecimentos de Português. Em teoria poderíamos ser chamados de preconceituosos quando eliminamos os que não sabem redigir uma carta. Entretanto contratar os que não sabem redigir implica em escolher os que muito provavelemente se sairão pior na posição. O fato de que esta escolha causará dano à companhia e o fato de tentarmos de uma maneira razoável verificar se o funcionário está à altura do cargo leva à conclusão que não houve preconceito quando escolhemos os melhores em redação. Estamos minimizando as chances de a empresa ter um prejuízo com funcionários incompetentes.

Poderíamos taxar de preconceito o fato de ser necessária uma prova para selecionar os alunos mais capacitados para cursar uma faculdade? Isso é preconceito? Não: só estamos utilizando os recursos da maneira mais racional. As vagas são limitadas e deixar os piores cursarem só torna o nível geral mais baixo. E o fato dos mais pobres, em média, não terem tido uma educação apropriada para passar na prova? É aí que a porca torce o rabo: a função do Estado deveria ser suprir condições mínimas para que os que querem se desenvolver o façam.

O que está contribuindo para afundar o Brasil é o que um malandro que é candidato ao emprego acima faz: acusa de preconceituoso quem levantar uma objeção contra ele. Diz algo como: "Seu preconceituoso! Só porque eu tive uma origem humilde você me impede de conseguir um emprego?"

A priori a origem não é questionada. O que é colocado em pauta é a capacidade de redigir. Se o fato do candidato ser de origem humilde torna impossível ou muito difícil que tenha aprendido Português corretamente, o problema não é da firma que o está contratando. O problema é dele. É ele que deve cobrar um melhor ensino básico, é ele que deve tentar melhorar a sua própria capacidade de expressão escrita. No lugar disso, ele grita: "Preconceito!"

O Lula se utiliza desta ferramenta malandra. Ele coloca os que não puderam ou não quiseram melhorar no mesmo patamar e se identifica com eles. Quem é que verifica se o indivíduo simplesmente não quis estudar? Quem separa o joio do trigo? O nosso presidente está mais próximo de quem não quis estudar do que de quem não pôde. Mas a malandragem dele fala mais alto.

Muitas vozes se levantam: "Preconceito!" Eu estaria expressando preconceito contra Lula, só porque ele não "teve condições" de estudar, só porque ainda não consegue ler direito. Preconceito por ter tido uma origem humilde, por ter sido torneiro mecânico.

Se eu alguma vez tivesse tido preconceito não importa mais. O que importa é que o Brasil o colocou à prova: fez dele presidente de um país com 200 milhões de habitantes. Se havia preconceito já não interessa. O que conta é que o Lula não passou na prova. Levou o país a uma crise moral sem precedentes. Encabeçou um esquema corrupto e se lambuzou no poder como ninguém antes dele. Beneficiou seus amigos e parentes. Ajudou a fazer do Brasil uma vergonha mundial.

Não quero saber a origem do Lula, já não faz a menor diferença de onde ele veio. O que importa é que ele não passou na prova. Na verdade, não só não passou, como mostrou de que material ele é feito. Já não faz sentido falar de preconceito.



2006-08-24

Um encontro inusitado com uma sapa verde



Só percebemos como alguém é de verdade quando olhamos de perto. Os farsantes são capazes de manter uma cortina a seu redor que é quase imperscrutável. Mas quando estamos perto, físicamente próximos, torna-se muito mais difícil manter a blindagem. A cortina passa a ser de fumaça e conseguimos vislumbrar quais os princípios que os comandam.

Era de manhã cedo. Tinha que tomar um vôo que sairia às 6:30. Meio zonzo, tomei um café em um modernista aeroporto de Congonhas. Saio para passear pelos corredores para espantar o sono. Estava andando e quase fui atropelado por uma mulher que apareceu do nada e veio em minha direção, rápida. Toc toc toc toc... em seus saltos altos. Ela era baixinha, feia, e vestia um tailleurzinho verde. Era extremamente antipática. Começo a rir, e penso: " De onde vem a arrogância dessa Sapa Verde? Pronto, sem querer a batizara mentalmente. Assim como apareceu, foi embora, apressada, para algum destino que não me interessava.

Olhei meu relógio e decidi entrar na sala de embarque. Congonhas era uma beleza... na sala de embarque serviam café, suco e canapés de graça. Se eu tivesse sabido não teria pago aquele café que insistia em não me acordar totalmente... Tento entrar, mas havia um senhor passando pelo detetor de metais. Ele olhou para mim, e nesse momento tive certeza de conhecê-lo... com certeza já o havia visto. Seria o pai de algum colega? Por via das dúvidas o cumprimentei e ele retribuiu sorrindo, afável. Com certeza devia ser um pai de algum colega... não não, era um político. Franco Montoro! Passei pelo detetor e comecei a olhar ao redor. Esta sala estava interessante. Encontrei outro conhecido sentado, quietinho, com óculos escuros em um canto. Parecia um ceguinho... era o Gabeira!

Finalmente vou ao balcão pedir um suco de laranja. Enquanto bebia, posta-se a meu lado... a Sapa Verde! Não, ela não tinha morrido. Estava lá gritando e balbuciando coisas ininteligíveis, falando com um cara. Como eu já não tinha gostado dela olhei para o outro lado, mas os seus gritos escandalosos e meio descontrolados me obrigaram a ouvir o que dizia.

"Mas veja você as eleições para governador... O Maluf... quem é que vai votar nele, não é mesmo? O Covas... esse é carta fora do baralho... só sobra eu, só tem eu para governadora!!!!"

Inicialmente pensei que era algum desses trotes, essas pegadinhas que se fazem com os pobres diabos que estão indo trabalhar de manhã cedo. Sapa verde? Governadora? Só se for de algum estado Angolano... Olhei novamente, intrigado. Ela seria uma sósia da... não, era ela mesma, a Marta dos Suplícios.

Pensei como ela era diferente na telinha e como, de manhã cedo e de perto, tinha perdido a maior parte de seu escudo protetor. A mulher esbanjava arrogância, antipatia. Era uma verdadeira grossa. E continuava gritando, lá mesmo, na sala de embarque cheia de gente.

O seu interlocutor era um homem gordo de fala mansa. Publicitário, na certa. Devia estar treinando a Suplício para debates... ele diz, com voz grossa, macia:

"Bom, Marta, vamos mudar de assunto... como é mesmo essa história, o que aconteceu com a Erundina no PT?"

Agora eu tinha ficado interessado. Esse assunto era nebuloso e a Marta já havia dito que ela tinha empurrado a Erundina para fora porque não podia haver duas mulheres fortes no partido, algo assim. Vamos ver o que respondia agora, na minha frente. Para minha surpresa, começa a gaguejar descontroladamente:

"Ga ga gggga..."

Não podia acreditar: ali mesmo, do meu lado, estava uma mulher que iria disputar o cargo de governador do maior estado do Brasil, e gaguejava como uma colegial quando alguém dizia o nome "Erundina". Sem contar que a sua atitude e postura eram muito aquém do mínimo que qualquer um poderia esperar para um candidato a síndico. Ela gritava como uma histérica. A sua sede de poder era escancarada, quase obscena. Fiquei enojado.

O que faz com que alguém vote em gente desse nível? Vejam só a passividade de boi manso do ex-marido dela. É óbviamente um tonto que qualquer um leva pelo nariz. Gagueja continuamente, tem algum problema neurológico irreversível que afeta há muito suas faculdades mentais. Este cara, muitos anos depois do meu encontro na sala de embarque, vai ainda ser eleito para o senado. Se alguém acha que exagero, olhem este vídeo:



Concordo, é impressionante mesmo. Ou é demente ou é farsante. Inclino-me para a primeira alternativa... O detalhezinho da Sapa Verde abotoando o casaco é demais: aposto que o psicólogo dela recomendou fazer isso quando o seu ex começa a falar imbecilidades, para não sair do sério. Mas o que me deixou ainda mais enojado foi como a Sapa beijou o Suplício, beijo desses de cinema, no horário nobre na Globo, na cobertura da festa de encerramento da campanha do PT para a prefeitura de São Paulo. Pensei, tontamente, "acho que ela gosta dele..." Enganei-me de novo. Beijou mas já estava com outro, todo mundo sabia. O problema na testa já havia começado e ela usou o problemático para transmitir uma farsa, uma imagem de esposa amorosa. Foi eleita para a prefeitura.

Depois de ser enganados na prefeitura fomos enganados na Presidência, por alguém que escreve assim:



Eu me pergunto quais serão afinal as características que os brasileiros acham que seus governantes devem possuir?

O Covas, que a Sapa Verde chamou de "carta fora do baralho" acabou ganhando as eleições para governador. Pelo menos dessa vez pude dizer: "Ainda bem."



2006-08-13

A ciganinha



Sempre foi claro para mim que o que ganhamos em uma viagem depende muitíssimo de com quem estamos ou quem encontramos no nosso caminho. As viagens solitárias tem um sabor de "busca de si próprio", por assim dizer. Nestas, e diria especialmente nestas, o impacto do contato humano fica amplificado. Encontrar alguém de quem gostamos ou com quem nos identificamos é uma experiência incrível.

O mistério é aumentado quando não podemos nos comunicar completamente: tudo fica difícil sem uma língua comum. Mas não é aí que os olhares e os movimentos passam a ser ainda mais importantes? Não é nesses momentos que o que fazemos e o que tocamos supera tudo o que poderia ter sido dito?

Era inverno em Budapest. Nessa tarde decidíamos a qual concerto iríamos de noite. Havia um que parecia interessante, de um talentoso pianista húngaro. Eva não queria ir nesse... "Por que você quer assistir? Ele é chato. Toca exatamente igual ao disco. Você tem o disco, não tem? Não vamos neste não..."

Eva era bonitinha e tinha nos olhos sempre faiscas de excitação. Nos comunicávamos em alemão, que ela falava impecavelmente com um sotaquezinho meio austríaco, meio húngaro, com os erres pronunciados na frente e não na garganta. Sempre gosto quando as moças falam alemão desse jeito...rrrr rrrr.... Uma pianista loirinha, inquieta, decidida. Ela sempre parecia saber o que queria.

"O que você sugere então?" pergunto, já imaginando que Eva tinha algo em mente. Ela ficou pensativa por um momento. Não sei se estava tentando fazer suspense... então deu um gritinho e disse: "Tenho uma idéia, não sei se vai dar certo, vou dar um telefonema." e saiu correndo.

Quando voltou, veio com o ar satisfeito de quem tinha conseguido algo fantástico. "Feito" disse Eva. "Uma amiga concordou em tocar para a gente. Em troca, pediu que a levássemos para jantar no Café Arlequino. Acho que deveríamos pagar para ela." Mais do que justo, pensei. Se ela era tão boa assim, melhor que o famoso pianista húngaro, merecia pelo menos que pagássemos o jantar. Pergunto como é o nome dela. "Laura" e acrescenta baixinho, com um ar marôto: "Ela é cigana..."

Na Hungria comunista os ciganos tinham que ser integrados a todo custo. A maior parte deles era nômade, acampando aqui e ali, e sobrevivendo de roubo e trambiques. O governo central não podia permitir que os 'companheiros ciganos' não se integrassem à sociedade, e aplicaram um sistema de discriminação positiva: os ciganos recebiam bolsas de estudo, moravam nos melhores lugares. Recebiam vantagens, que de bom grado aceitavam. Na média, os ciganos não mudavam sua natureza, de profundas raízes socio-culturais. Confrontados com um presente como esse, vindo do governo, porque iriam recusar?

Fiquei sabendo que Laura tinha origem cigana, mas já era 'civilizada' ha várias gerações. Entretanto, a sua família aproveitava as vantagens de ter ancestrais ciganos: moravam em um apartamento no centro, uma vantagem da discriminação positiva. De outra maneira teriam que comprar uma casa em um bairro ou viver em conjuntos habitacionais feios, tristes e afastados da cidade.

Tomamos um bonde e fomos até lá. Chegamos a um prédio escuro, grande, com um pátio interno e sem elevador. A única entrada estava quase bloqueada por imensas latas de lixo cheias. "É aqui?" perguntei intrigado, já sentindo falta da magnífica sala de concertos que tinha trocado por esta incerta aventura. Ante a resposta positiva, manifestei a minha incredulidade: "Tem certeza?" O lugar era um antro. Ouviam-se gritos, choros de crianças, tudo ecoando nos corredores e no pátio. Subimos uma escada escura, da qual eu teria despencado facilmente se não fosse o corrimão a me ajudar a cada momento. Era pior que os cortiços de filmes da Europa Oriental. Perguntei onde estaria o "privilégio" de morar em um lugar como esse. "É perto do centro" disse Eva, preocupada com onde punha os pés na escuridão da escada.

Chegamos à porta do apartamento de Laura. À medida que nos aproximávamos na escuridão, a porta foi se abrindo e iluminando o chão pela fresta com a luz que vinha de dentro.

"Percebi que vocês estavam chegando e abri a porta" disse alegremente em húngaro uma moça baixinha, com cabelos muito negros, lisos e compridos. A Eva nos apresenta: essa era a Laura. Com um sorriso, aperta minha mão. Após uma rápida verificação, chegamos à conclusão que não falávamos nenhuma língua em comum. Como o meu húngaro não funcionaria mesmo, conformei-me. Tínhamos ido para ouvir música, afinal.

O primeiro choque veio quando entrei no apartamento. Iluminado, imenso, com belos candelabros de cristal, era um verdadeiro palacete. O contraste com o que vi do lado de fora era brutal: tapetes persas forravam as paredes e o piso, um gigantesco piano negro no meio da sala dominava os olhares de todos. Sim, era um Steinway alemão. Como tinham dinheiro para adornar a casa inteira dessa maneira exuberante, em um país comunista? Aparentemente o pai da Laura era um violinista na Suíça, e o dinheiro estrangeiro (valuta) tinha um poder de compra impressionante em países onde a moeda oficial não era mais que dinheiro de mentirinha, como o do Banco Imobiliário. Laura era riquíssima.

Após uma conversinha, a Laura pede para que sentemos ao redor do piano e anuncia o "Programa": Partita n.1 de Bach e 'Gaspard de la nuit' de Ravel. As mãos dela eram um tanto pequeninas. Será que ela daria conta do recado? Eva diz baixinho, em alemão, que a Laura tinha recebido da academia de música de Budapest a maior honraria que eles concedem a músicos: todos que lá estudam saem com o diploma de músico, mas ela era "Müvész" ou "Artista". Pouquíssimos conseguiam tal feito. Não tinha tanto a ver com a perfeição técnica como com a originalidade e emoção da interpretação.

Mas boa técnica ela tinha. O prelúdio da Partita serviu como um aquecimento, onde Bach e ela brincavam com as notas e com a atenção do público, que esperava para ver qual seria o desenvolvimento final. Eu estava cansado de conhecer as partitas e em especial esta, mas a interpretação dela era muito diferente do que eu estava acostumado. Feminina, eu diria, com uma precisão no toque e uma nitidez nas vozes como é realmente difícil conseguir. Rodeado de tapetes persas, badulaques e lustres, o ambiente era muito instigante e a acústica era estranhamente teatral. Laura continuava trabalhando na sua interpretação e a sarabanda talvez poderia ter sido mais doce, mas o forte dela era mesmo nos movimentos rápidos e rítmicos. A giga me deixou tonto, tão fortemente expressiva, nítida e decidida.

Laura sabia o que causava quando tocava. Entre tudo o que senti, senti também inveja. Ela fazia o que queria no teclado; quando eu tocava, poderia me dar por satisfeito se acertasse as notas. Por sorte a apreciação da sua arte superava em muito a inveja. Olhava de vez em quando com o canto do olho para se certificar, mas ela sabia muito bem o poder que tinha.

Fez uma curta pausa e começou o Ravel. Esperta como era, deixou o melhor para o final: jamais ouvi uma interpretação como aquela, nem mesmo em gravações de grandes gênios. Fiquei completamente embasbacado. Eu não esperava mesmo algo tão perfeitamente sublime.

Quando terminou, apesar de não estarmos em um teatro, aplaudimos freneticamente. Aplaudimos não tanto para aplaudir como para evitar o silêncio embaraçoso que ficaria quando Laura terminasse, parasse de inundar nossas almas com aquilo que era para mim o que existia de mais valioso: música de verdade, tocada só para nós, por uma Artista. Merecíamos tanto?

Ficou sentada lá por um momento, um pouco de lado, sorrindo. A sua imagem ficou para sempre gravada em minha mente.

Fomos ao Arlequino, que era um lindo café com fantásticos doces húngaros, pedi uma Gundel Palacsinta e durante todo o tempo Laura ficou brincando com as amigas. Ela escolheu um lugar especial, de onde pudesse encarar o pianista, que aparentemente a conhecia. Aparentemente? O pobre rapaz começou a suar terrívelmente quando a viu. Laura estava adorando tudo isso.

"Agora ele vai tocar tal e tal música, e vai fazer uma cara engraçada em uma passagem, querem ver?" dizia Laura... e batata. Acontecia exatamente igual ao que ela previa. Uma vez, outra e outra mais. Fiquei com uma pena incrível desse pianista que parecia ficar mais e mais perturbado à medida que as gargalhadas de Laura chegavam-lhe aos ouvidos. Qual era a razão dessa tortura? Amor não correspondido? Uma natureza cigana parecia estar se manifestando. A previsão do comportamento do coitado que não podia fugir a seu destino, não podia se esconder, tinha que continuar tocando, encarando de frente a sua desgraça, a sua insignificância. Era tenebroso o fato de que ele tentava agradar, mas parecia saber que era impossível, que Laura era infinitamente melhor que ele.

Quando fomos embora, Laura estava satisfeitíssima. Deixamos o derrotado pianista pelo qual eu não pude evitar sentir uma pena tremenda. Andamos com ela de volta para o prédio escuro em que morava. De volta ao apartamento, pela primeira vez, Laura me dirige o olhar diretamente, sorri e diz: "Nice to meet you".

Vi então instantaneamente a realidade. A mágica que eu havia presenciado tinha uma lógica, um motivo: o pai músico, a irmã violinista. Ela, pianista. Longas e intermináveis tardes de estudo, esforço e dedicação. O que eu vi e ouvi não acontece de uma hora para a outra, por acaso. Algum poder impressionante tem que estar por trás, impulsionando tudo aquilo, essa inacreditável busca pela perfeição expressiva.

O que seria o que a impulsionava? Quando nos despedimos ela estava quase doce, como um plácido regato. Eu sabia no entanto que por trás daqueles olhos havia um fogo escondido que lutava sempre para sair do controle que a sua dona lhe impunha. Era uma luta eterna. Quem terá vencido no final, a moça ou o fogo?


2006-08-10

A escura ditadura



O meu blog tão comportado e infrequentemente atualizado recebeu uma visita obscura: um usuário do Ministério Público Federal. Pus-me a pensar no que isso significa. Uma possibilidade poderia ser que o Ministério Público tenha recebido uma denúncia sobre o que escrevo aqui. Hum.... quem pode ter ficado nervoso? O Zé Dirça? O Lullinha? Intrigante, intrigante mesmo. Certamente há maior probabilidade de que um lacaio destes, uma Chauizette ou puxa-saco de Beerzovskyin tenham ficado escandalizados com a minha falta de respeito. Terá sido algum funcionário público obscuro, parte de algum esquema mensaleiro e que não quer ter sua boquinha arruinada?

A verdade é que este governo é tão absurdo que é possível encher páginas sobre as imbecilidades perpetradas por ele. Um presidente que tenta deportar um jornalista só porque ele disse de forma educada que ele tem uma tendência a beber demais não merece ser mesmo levado a sério. Um elemento que diz que nunca leu um livro na vida não merece ser contratado nem como gari.

Em uma história que li há tempos havia um lugar cujo lema do governo era:

Guerra é Paz
Liberdade é escravidão
Ignorância é força


O livro foi escrito há muito tempo, mas as duas últimas linhas tem tudo a ver com o pensamento vigente no Brasil, especialmente a última. Ignorância é tão importante que o próprio presidente se declara ignorante e como prêmio é reeleito com direito a mudar a Constituição... Tenho até pena dos 200 milhões de habitantes desse país triste, onde ninguém reclama e uma sombra negra impede qualquer articulação inteligente. Um país onde se prende um fulano com um cartazinho contra o governo, um governo que defende os bandidos porque estes o apóiam. Este país que tem um governo incapaz de impedir 11000 presos de sair da prisão neste domingo, mesmo tendo sofrido ataques no melhor estilo da guerra de guerrilha no último indulto coletivo. Um país cujo governo é incapaz de defender os próprios policiais.

Nem George Orwell, que escreveu o livro "1984" de onde emprestei as linhas acima, poderia imaginar uma estrovenga tão absurda. No próprio livro, entretanto, ele cita uma ferramenta incrível de dominação mental. Era chamada o "Buraco do Esquecimento" ou "Memory Hole". Supostamente era um tipo de lixeira onde os pobres-diabos do livro eram encorajados a jogar materiais contrários à orientação do governo. Não há nada mais parecido com essa fantástica lixeira do que a Internet. E há ainda uma surpresinha especial: no fim do livro fica claro que tudo o que era jogado no Buraco do Esquecimento era na verdade selecionado, catalogado e arquivado. Do mesmo jeitinho que vocês vão poder procurar tudo o que falei sobre este governo horroroso por anos a fio, usando google ou yahoo. E o Ministério Público com isso? Em um futuro não muito distante, quando for considerado um crime de racismo dizer que o Lula não sabe ler, poderão abrir um processo contra mim, ou mandar me sequestrar... o que for mais eficiente e aterrorizante.

Tenho sempre a impressão de que George Orwell já conhecia o Lula e o PT. Entretanto não poderia ter conhecido: morreu em 1950. O que ele conhecia certamente era a raça maldita que os originou.

Pensando bem, sempre existe outra possibilidade: o funcionário do Ministério Público só estava zapeando na net e ficou a ler meus textinhos.

Ah, bom...





Se nunca leu 1984, clique na capa para comprar. Tem mais uma surpresinha macabra no fim do livro...



2006-08-02

Verifique antes de votar




Veja se seu candidato é limpo. A Transparência Brasil fez um levantamento de cada um dos candidatos e os enroscos em que estão metidos aqui. Vale a pena olhar antes de votar.

Quanto ao Lula, vou de enquete.

O Lula é:

A) Coordenador do esquema PT de roubar
B) Bobo alegre
C) Incoerente inútil
D) Pau-mandado do Zé Dirceu
E) Todas as anteriores

Esta é difícil, né? Não se preocupem, vou ser bem tolerante na correção...