2006-03-22

Masterclass

Era uma bela manhã de sol. No campus, o orvalho brilhava nas folhas recém brotadas de primavera. As árvores moviam-se levemente na brisa fresca da manhã. Tudo parecia indicar novidade, esperança. Viam-se os estudantes chegando por todos os lados, ansiosos pelas primeiras aulas do semestre. Tudo sugeria melhora e renovação. A sala dava para um jardim, mesmo lá dentro mantinha-se a sensação fresca de um novo dia.

A aula era de Física. Entrou o professor, havia uns cinquenta alunos. Todos sentados, silenciosos, esperando entender a proposta desse que era Doutor em Física, de currículo invejável. Começou a falar. Era um homem grande, meio calvo e narigudo, irradiava brilho de uma maneira como nunca tinha visto em um professor nessa faculdade.

Fernando ficou intrigado. O professor começou com uma descrição técnica do funcionamento de reatores nucleares, discorreu sobre as diversas opções, suas vantagens e desvantagens em relação à eficiência de geração de energia, dependência de tipos exóticos de combustível nuclear, variantes e opções possíveis, tipos de tecnologia desenvolvidos em diversos países. Só de ouvi-lo, Fernando imaginava a quantidade de pessoas envolvidas em todos esses esforços, os paradoxos entre as aplicações pacíficas e os usos em armamentos, os problemas do lixo radioativo. Era uma palestra magnífica. Fernando ouvia tudo boquiaberto. Não estava esperando que o professor discorresse tão genialmente sobre um assunto tão interessante.

Ele fazia parte da comissão da oposição que estava avaliando o acordo nuclear Brasil-Alemanha. E ele sabia muito bem do que estava falando. Amigo dos melhores físicos do país e com contatos em todo o mundo ele estava inserido na elite intelectual do mundo. Fernando sentiu-se privilegiado em poder ouvir a essa classe magistral. Quanta sorte!

Começou a explicar os detalhes técnico-comerciais do acordo nuclear. Disse porque o acordo era ruim para o país, o que os alemães estavam realmente vendendo, a que preço, que opções teriam sido melhores, quais os verdadeiros interesses do governo no acordo e o que a sociedade iria ganhar ou perder com isso.

Algo estranho começou a acontecer. Absorto que estava, Fernando percebeu só um pouco mais tarde. Um a um os estudantes abandonavam a sala. O professor nada fazia para impedí-los e não interrompia sua dissertação. Fernando não entendia... Por que faziam isso? As pessoas estavam abandonando a melhor aula que ele jamais havia assistido. Qual a explicação para esse mistério?

Fernando pegou pelo braço um que estava deixando a sala por último... tinha que saber a razão. Ele lhe disse, baixinho e em tom meio contrariado:

"Este professor está falando de política, não está dando aula de Física."

Então era esse o motivo? Fernando discordava totalmente. Claro que estava falando sobre Física, e ainda estava falando sobre muito mais.

Quando havia apenas cinco estudantes absortos em sua exposição, o Professor anuncia:

"Acho que agora quantidade de alunos é ideal para uma boa aula de Física..."

Mudou de assunto. Começou uma magistral aula de Física. Nos moldes dos antigos filósofos, que se reuniam em pequenos grupos para discutir, expunha os conceitos e fazia disgressões, pedia exemplos e comentários. Como os "Discorsi" de Galileu. Como as elucubrações de Feynman. Fernando estava ainda mais estarrecido. Aquele dia estava realmente valendo a pena.

Onde foram todos os desagradados com a aula? Havia outro professor ensinando Física. Ele escrevia longamente na lousa, usando giz colorido, circundando com floreios resultados importantes. Uma aula típica de cursinho. Todos copiando cuidadosamente no caderno. Sentados uns em cima dos outros, na classe abarrotada, tentavam uns ser mais iguais que os outros.

Fernando sabia que o Professor não havia falado sobre os problemas do acordo nuclear por acaso. Os alunos não poderiam fazer nada a respeito dos resultados do acordo, mas estava falando àqueles que deveriam se tornar os novos líderes, deveriam tomar as rédeas dos futuros rumos do Brasil.

O que o impressionou foi a reação. Teve pela primeira vez consciência da enorme diferença entre o modo de pensar vigente e o seu. Estava em minoria absoluta.

A aula foi fantástica. O curso também. Ia a cada aula entusiasmado e realmente aprendeu muito. Aprendeu também sobre as pessoas, e sobre porque o progresso é tão difícil.

Entretanto, as manhãs estavam diferentes.

Já não irradiavam a mesma esperança do início.

Dedico este post ao físico José Zatz

2 comentários:

Anônimo disse...

Saiba que comecei estudar alternativas de provimento de bens e serviços neste domínio objeto do seu post... De fato, haveria hoje inúmeras alternativas muito boas e muito provavelmente melhores do que a que prevalece! Mas é preciso ser realista na arte do possível... Eis pois a luta!
FlyingC.

Felipe Pait disse...

Agradeço por me lembrar do Zatz! Tenho saudades das aulas dele. Cheguei a fazer um curso extra sobre energia - seguindo mais o professor do que o assunto, embora energia me interessasse. Lembra, Moutinho?

Infelizmente depois daquela época não mais o encontrei. Valeu, Zappi!