Estava atrasado, o céu estava cinzento, ia chover. Que sorte, consegui um táxi! Uma vez dentro do taxi, percebi: o motorista era um senhor muito velhinho, dirigia bem devagarinho... Pensei "O jeito é relaxar, não vou trocar de táxi agora..."
Ele puxa papo, eu respondo. Imediatamente noto que ele tem forte sotaque espanhol e troco de idioma. Ele era boliviano. Um par de bate-bolas depois ele me pergunta:
-Você é casado?
-Sou.
-Agora vou fazer uma pergunta mais pessoal, por favor não me leve a mal, mas é que estou fazendo uma pesquisa sobre um assunto que descobri...
-Pode mandar...
-Eu quero saber se você pudesse rebobinar o tempo, teria ido em frente? Ou seja, teria casado com a sua mulher novamente? Por favor seja sincero na resposta.
Verdadeiramente era pessoal... aonde o velhinho queria chegar? Respondo:
-Casaria novamente com toda a certeza.
-Interessante... você sabe qual é a resposta mais comum que recebo?
-Qual?
-Que não teriam ido em frente. Que não teriam se casado de novo com a mesma pessoa. Você já é um caso incomum...
O que era agora? Ele estava duvidando de mim? Ele continua:
-Não me leve a mal. Eu fui casado quatro vezes e tenho 85 anos...
Pudera! Era por isso que ele dirigia tão devagar...
-... e acho que fiz uma descoberta que quero comunicar ao mundo. Somente um dos meus casamentos deu certo, e acho que descobri o que é necessário para que um casamento dê certo... quero dizer, para que marido e mulher fiquem juntos por muito tempo, felizes. Porque um casamento pode funcionar por um certo tempo, mas aí a situação fica complicada e... Pode até durar muito tempo mas com o casal se aturando, em vez de se gostando... O que eu quero dizer é que eu sei quais as condições para que dê mesmo certo, e são quatro.
Isto estava ficando interessante... realmente muito interessante. Pergunto:
-E quais são?
-Primeira: Dinheiro. Mas não me refiro a grandes somas de dinheiro, e sim dinheiro suficiente para morar, comer, vestir, educar os filhos... realmente acho que grande quantidade de dinheiro pode ser até prejudicial, mas sem dinheiro todos os casamentos vão por água abaixo eventualmente, por mais que o casal se goste.
-Acho bem razoável... Qual é a segunda?
-Segunda: Diálogo. Me refiro aqui àquela conversa que o marido e a mulher tem na hora do jantar, o marido conta o seu dia, a mulher também, eles se escutam. Expõe os seus problemas e dificuldades para o outro... Acho que este é o ítem que mais frequentemente falha. Coloco a culpa na televisão, na novela, todo mundo grudado na TV... Para este diálogo ocorrer tem que haver tempo, as pessoas tem que ter tempo para elaborar suas idéias, incertezas. Conversar não é tão fácil assim, e está se tornando uma arte em extinção. Acredito que este diálogo é o que faz com que o marido e a mulher se entendam e vão para o mesmo lado, é o que faz com que um colabore com o outro. Quando o diálogo falha, as mentes vão por caminhos divergentes e eventualmente não há mais conversa possível...
-Muito bom... que mais?
-Terceira: Classe. Quero dizer: o marido e a mulher devem ser de níveis socio-culturais próximos.
-Não entendo...
-Esta talvez é a mais difícil. Pela minha experiência, o que acontece é que muitos casamentos ocorrem entre pessoas com significativas diferenças socio-culturais. O problema que acontece é que ao longo do tempo, a parte do casal que vem de um nível mais baixo fatalmente desenvolve um complexo de inferioridade que é quase impossível de extinguir. Por mais que a outra parte compreenda ou tente ajudar, o complexo está ali, latente, e à medida que o tempo passa vai degenerando a relação até o ponto de insustentabilidade... Quando eles provêem do mesmo nível socio cultural há uma identidade de interesses, valores... De qualquer maneira a imposição de valores diferentes é uma violência que acaba destruindo a relação... mas o elo sempre rompe no lado mais fraco.
Penso: esta é sutil, mas acho que o taxista está certo... Acho que sei qual é a quarta... Ele se vira, pisca o olho e me diz:
-Não preciso explicar a quarta, preciso?
-Não...
Ele continua:
-Os casamentos só dão verdadeiramente certo quando estas quatro condições são verdadeiras. Se uma, apenas uma falhar, o casamento está condenado. Entretanto já vi casamentos que se baseavam em somente uma delas. Muitos e muitos... mas eles sempre falham. Quando não falham acontece aquilo: o casal se suporta por anos e anos... Agora que lhe contei, pode me dizer sinceramente... Vocês dois cumprem as quatro
condições?
Este velhinho era fogo... pensei longamente... não é que cumpríamos mesmo?
-Você tem muita sorte – ele diz – muita sorte mesmo. Isso é muito raro...
Conversamos muito. Ele dirigia tão devagar... perdi a minha reunião, mas não me importava mais. Ele me conta muitos detalhes de sua longa vida... eu pergunto:
-Já pensou em escrever um livro?
Ele dá uma risada e diz:
-Já... queria que se chamasse "Memórias de um Motorista de Praça"... ainda vou escrever...
Já tinha começado a chover, São Paulo estava triste e cinzenta. Dentro do taxi entretanto, o sol brilhava com toda a força.
Ele puxa papo, eu respondo. Imediatamente noto que ele tem forte sotaque espanhol e troco de idioma. Ele era boliviano. Um par de bate-bolas depois ele me pergunta:
-Você é casado?
-Sou.
-Agora vou fazer uma pergunta mais pessoal, por favor não me leve a mal, mas é que estou fazendo uma pesquisa sobre um assunto que descobri...
-Pode mandar...
-Eu quero saber se você pudesse rebobinar o tempo, teria ido em frente? Ou seja, teria casado com a sua mulher novamente? Por favor seja sincero na resposta.
Verdadeiramente era pessoal... aonde o velhinho queria chegar? Respondo:
-Casaria novamente com toda a certeza.
-Interessante... você sabe qual é a resposta mais comum que recebo?
-Qual?
-Que não teriam ido em frente. Que não teriam se casado de novo com a mesma pessoa. Você já é um caso incomum...
O que era agora? Ele estava duvidando de mim? Ele continua:
-Não me leve a mal. Eu fui casado quatro vezes e tenho 85 anos...
Pudera! Era por isso que ele dirigia tão devagar...
-... e acho que fiz uma descoberta que quero comunicar ao mundo. Somente um dos meus casamentos deu certo, e acho que descobri o que é necessário para que um casamento dê certo... quero dizer, para que marido e mulher fiquem juntos por muito tempo, felizes. Porque um casamento pode funcionar por um certo tempo, mas aí a situação fica complicada e... Pode até durar muito tempo mas com o casal se aturando, em vez de se gostando... O que eu quero dizer é que eu sei quais as condições para que dê mesmo certo, e são quatro.
Isto estava ficando interessante... realmente muito interessante. Pergunto:
-E quais são?
-Primeira: Dinheiro. Mas não me refiro a grandes somas de dinheiro, e sim dinheiro suficiente para morar, comer, vestir, educar os filhos... realmente acho que grande quantidade de dinheiro pode ser até prejudicial, mas sem dinheiro todos os casamentos vão por água abaixo eventualmente, por mais que o casal se goste.
-Acho bem razoável... Qual é a segunda?
-Segunda: Diálogo. Me refiro aqui àquela conversa que o marido e a mulher tem na hora do jantar, o marido conta o seu dia, a mulher também, eles se escutam. Expõe os seus problemas e dificuldades para o outro... Acho que este é o ítem que mais frequentemente falha. Coloco a culpa na televisão, na novela, todo mundo grudado na TV... Para este diálogo ocorrer tem que haver tempo, as pessoas tem que ter tempo para elaborar suas idéias, incertezas. Conversar não é tão fácil assim, e está se tornando uma arte em extinção. Acredito que este diálogo é o que faz com que o marido e a mulher se entendam e vão para o mesmo lado, é o que faz com que um colabore com o outro. Quando o diálogo falha, as mentes vão por caminhos divergentes e eventualmente não há mais conversa possível...
-Muito bom... que mais?
-Terceira: Classe. Quero dizer: o marido e a mulher devem ser de níveis socio-culturais próximos.
-Não entendo...
-Esta talvez é a mais difícil. Pela minha experiência, o que acontece é que muitos casamentos ocorrem entre pessoas com significativas diferenças socio-culturais. O problema que acontece é que ao longo do tempo, a parte do casal que vem de um nível mais baixo fatalmente desenvolve um complexo de inferioridade que é quase impossível de extinguir. Por mais que a outra parte compreenda ou tente ajudar, o complexo está ali, latente, e à medida que o tempo passa vai degenerando a relação até o ponto de insustentabilidade... Quando eles provêem do mesmo nível socio cultural há uma identidade de interesses, valores... De qualquer maneira a imposição de valores diferentes é uma violência que acaba destruindo a relação... mas o elo sempre rompe no lado mais fraco.
Penso: esta é sutil, mas acho que o taxista está certo... Acho que sei qual é a quarta... Ele se vira, pisca o olho e me diz:
-Não preciso explicar a quarta, preciso?
-Não...
Ele continua:
-Os casamentos só dão verdadeiramente certo quando estas quatro condições são verdadeiras. Se uma, apenas uma falhar, o casamento está condenado. Entretanto já vi casamentos que se baseavam em somente uma delas. Muitos e muitos... mas eles sempre falham. Quando não falham acontece aquilo: o casal se suporta por anos e anos... Agora que lhe contei, pode me dizer sinceramente... Vocês dois cumprem as quatro
condições?
Este velhinho era fogo... pensei longamente... não é que cumpríamos mesmo?
-Você tem muita sorte – ele diz – muita sorte mesmo. Isso é muito raro...
Conversamos muito. Ele dirigia tão devagar... perdi a minha reunião, mas não me importava mais. Ele me conta muitos detalhes de sua longa vida... eu pergunto:
-Já pensou em escrever um livro?
Ele dá uma risada e diz:
-Já... queria que se chamasse "Memórias de um Motorista de Praça"... ainda vou escrever...
Já tinha começado a chover, São Paulo estava triste e cinzenta. Dentro do taxi entretanto, o sol brilhava com toda a força.
5 comentários:
Talvez dirigisse devagar não pela idade, mas para ter mais tempo de conversar.
Realmente ocupar o tempo das pessoas com programas televisivos, futebol, shows, disputas esportivas e fixar assuntos, estabelecendo-os pela propaganda, impede as pessoas de trocarem idéias e acaba prejudicando o entendimento.
Creio que temos "circo" demais, que custa caro, e até o pão está raro.
Abraços
C. Mouro
Zappi, que beleza de texto.
Uma análise rápida, enxuta e prefeita dos relacionamentos.
Por experiência própria, creio que a 3.ª explicação é mais relevante que as outras porque as condiciona. A igualdade de condições sócio-culturais abre espaço para o diálogo e permite que caminhem lado a lado, sem diferenças em busca daquilo que ambos julgam ser o caminho para si.
Mas, quando há diferença, ai, ai...
Gostei demais desse texto.
Obrigada.
Zappi,
E mais facil um homem criar problemas na vida de casal do que a mulher!
Mulher com situação socio/economico superior a situação social de origem do homem,mesmo que este, atravez do campo professional, adquira meios de frequentar nivel mas elevado,SEMPRE EXISTIRA, CONFLITOS MESMO COM DIALOGOS FRANCAMENTE ABERTOS dando impressão de companheirismos que em realidade é sempre falso!
Pra funcionar um relacionamento é MUITO DIFICIL.
RESTA MORAR SEPARADO, EU JA FAçO ISTO E LHE GARANTO NÃO CORRIGE O MAL, QUE POSSA TER SE INSTALADO O MAL DO EGOISMO,DA TIRANIA, DA INVEJA, EU DISSE BEM, INVEJA do conjugue, quando se descobre que a raiz do mal, é a INVEJA que produz a RAIVA DO OUTRO COM QUEM SE CASOU!!!!LHES DIGO E DURO DE ENGULIR!!!!!!!!!!!!!POR ISSO CASAR NÃO é BOM MESMO!
Gostei. Parece sensato. Não sei se se aplica a todos os casos mas parece fazer sentido.
Os contos e fábulas são excelentes meios de se fazer pensar e julgar.
Pena que, creio eu, atualmente as fábulas infantis (não, adultas, sim) estão fora de moda. E o homem massa, o rebanho, segue valores alheios que nem mesmo entende.
É pena, as fábulas eram excelentes meios de fazer pensar e julgar, até para as crianças que exercitavam, a mente se distraindo.
Contos e fábulas são rápidos, interessantes e uteis.
Que venham mais!
Abraços
C. Mouro
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