2007-05-06

A minha religião é mais legal que a sua

As crianças diferenciam seus colegas pelos detalhezinhos: cor da pele, um sotaque estranho, uma mania diferente. Esta é uma característica universal dos seres humanos e já era conhecida pelos religiosos há milênios.

Para as religiões, manter um grande grupo de fiéis é fundamental. Quanto mais fiéis, maior o poder dos seus líderes. Por este motivo, e para evitar migrações de uma religião para a outra, estabeleceram-se ritos e formas de vestir para que a religião à qual uma pessoa pertence fosse facilmente reconhecível. O conceito de "liberdade religiosa" é muito mais recente. Lembro que a migração de uma religião para a outra era proibida e até punida com a morte.

Faz muito tempo, para garantir que os seus fiéis não escapariam, os religiosos chegaram à conclusão de que eles deveriam marcar permanentemente os seus seguidores: a mutilação de órgãos sexuais tornou-se uma maneira popular de estabelecer um vínculo religioso que só terminaria com a morte. É claro que, para os religiosos em geral, o conceito de "liberdade religiosa" só tem interesse para evitar a perseguição religiosa contra a própria seita. Eles normalmente não estão nada interessados em que os seus fiéis decidam por si mesmos para escolher alguma religião que lhes agrade mais.

Posso citar como exemplo o catolicismo. Supostamente esta religião permitiria o livre ingresso às suas fileiras. Entretanto, uma vez tomada a decisão de tornar-se católico, não há como voltar atrás. Isto significa que, do ponto de vista de um católico, quem é batizado não pode renunciar à sua religião, a menos que seja excomungado. Trata-se de iludir o candidato a entrar para a seita, mas uma vez que entrou, a relação só termina com a morte.

Uma religião muito mais antiga é a judaica. Nesta os religiosos não parecem muito interessados no ingresso de fiéis, mas estão muito preocupados com os que deixam a religião. Para evitar isto inventaram o conceito de que todo filho de mãe judia é automaticamente judeu. Esta invenção altamente ditatorial faz com que aos olhos dos religiosos quem nasce de uma mãe que pertence à seita não possa se converter. Qualquer conversão é vista pelos judeus como inválida. A circuncisão, uma forma de mutilação genital, foi originalmente inventada para manter controle sobre quem era e quem não era judeu.

Os muçulmanos mantem as suas mulheres cobertas, rezam voltados para Meca várias vezes ao dia e mantém assim a identidade religiosa. Note que, em sociedades pluralistas, todos defendem a liberdade religiosa mas, entre os religiosos, este conceito é impossível. Onde já se viu um muçulmano dizendo para o filho escolher a religião que quiser aos 18 anos? Ou um judeu? Ou católico?

Não quero ser injusto com os judeus. Gosto especialmente deles porque, vejam que paradoxo, há muitíssimos ateus entre eles. Na verdade, não conheço nenhuma religião que tenha tantos ateus. Como pode ser isto? O judaísmo é compatível com o ateísmo?

Aqui ocorre um interessante fenômeno: os religiosos judeus toleram que alguém deixe de acreditar em deus. A verdade é um pouco mais triste: do ponto de vista do rabino este descrente nunca deixará de ser judeu, mesmo que seja batizado ou se converta para o islamismo. Nessa aparente tolerância à descrença se esconde um fato mais macabro: o judeu, segundo uma definição inventada pelos religiosos, não tem direito de optar por outra religião. Não tem liberdade religiosa.

Mesmo assim muitos judeus conseguem efetivamente deixar de ser judeus. Mudam de país, professam outras religiões, casam-se com não-judeus, escondem até dos próprios filhos a sua origem. Não é fácil exercer a liberdade de escolha, entretanto. As famílias perseguem os filhos que casam com goyim. O estereotipo da Yidishe Mama que tortura a nora goy tem fundamento: muitos judeus encaram o casamento misto como se fosse a destruição da família. A liberdade individual não é respeitada se considerarmos a tremenda pressão social exercida contra os que não se ajustam às normas religiosas ou convencionais.

Tenho um colega de origem judaica aqui em Melbourne, do qual fiquei muito amigo. Ele é um imigrante da Ucrânia, e veio junto com a sua mãe quando era pequeno. A mãe o colocou em uma escola hebraica, secular e não ortodoxa, quando chegaram. Tudo ia muito bem. O garoto tinha feito muitos amigos e sentia-se perfeitamente à vontade na escola.

Quando ele ia completar 13 anos, chegou a hora de participar da cerimônia de Bar Mitzvah, tradicional rito religioso de passagem. Os rabinos descobriram algo que acharam terrível: o garoto não tinha sido circuncidado.

Na Rússia comunista não se permitia aos rabinos cortarem os órgãos sexuais de recém-nascidos. E com razão. Primeiramente, não há nenhum motivo aceitável para retirar uma parte saudável e sensível de um órgão sexual de um bebê. Em segundo lugar, quem tivesse o prepúcio retirado ficaria marcado. Marcado por quê? Que direito tem um rabino sobre o corpo de um recém-nascido?

Os rabinos estabeleceram que meu amigo não poderia participar do Bar Mitzvah sem ser circuncidado. A mãe perguntou para o seu filho: você quer ser circuncidado? O garoto disse que não. Achou que deixar de participar de uma cerimônia religiosa arcaica não poderia ter nenhuma conseqüência séria.

Quando ficaram sabendo do que aconteceu, todos os "amigos" do menino viraram-lhe as costas. Ele teria traído a sua "herança judaica". Teria traído a todos eles. O garoto teve que mudar de escola.

Espero que esta história deixe bem claro onde está o problema com as religiões. Não contentes em simplesmente acreditar em uma religião, os religiosos marcam os próprios filhos, forçando-os a atender às sessões de doutrinação desde pequenos. Raros são os que, como a mãe do meu amigo, permitiram ao filho escolher.

Eu sou pela liberdade religiosa já. Eu quero dizer liberdade de escolha da própria religião. Religião legal é aquela que não é imposta às criancinhas, que não as marca desde o nascimento e não as tortura com imagens de demônios inventados. Religião legal é a que permite às pessoas pensar e escolher livremente.

7 comentários:

Anônimo disse...

Zappi

Volto em junho.

Anônimo disse...

Zappi,
Sejamos sinceros: Bom mesmo é não ter religião alguma, he he...

Anônimo disse...

Zappi,

Viva La France! Lá os botocudos se ferraram.

Anônimo disse...

Zappi,

Estou ocorrente de tudo!

hahahahahaha adoro você zappi hahahaha

Beijos Zappi hahahahahahaha

Anônimo disse...

Zappi,

Gostei de photo do "religioso"

Pena que so posso ir nestes eventos a partir de junho!

Bisous Você foi excelente e eu comprendi desde o post do encontro com a musica classica excelete e hoje vou "roubar o poste" do neury
e vou postar no meu blooggg hehehehe

Bira disse...

Uma religião, um lider, 99% dos casos rico, riquissimo.

Anônimo disse...

Zappi,

Acho este post otimo tambem.

Escolher livremente é o certo.Escolhi os amigos que me fazem rire.

Não pra meus comentarios é o medo do hospital que me deixa asim mais maluca do sou.