Voto número três: O espírito de porco
De todos este foi o único que veio em minha casa.
Um tipo meio macambúzio, derrotado. A mulher dele, muito mais esperta e prática, leva a família nas costas. Ele, desempregado há muitos anos, é balofo e triste. A imagem da incompetência e falta de confiança em si mesmo. Nunca olha para ninguém nos olhos. Quando fala, parece que está falando consigo mesmo.
"Zappi, o Abelardo vai votar no Lula" - disse uma amiga, na festa.
Eu não conseguia acreditar. Não conhecia ninguém que votasse nele. O Abelardo tinha declarado seu voto ali, na frente de todo mundo? Não fazia sentido, mas confesso que fiquei incrívelmente curioso. O que levaria alguém a votar no sapo barbudo? Bom, até podia imaginar razões, mas não para quem tivesse estudado, não fosse um doutrinado enlouquecido à la USP...
Este cara era um enigma. Imediatamente, todas as atenções se voltaram para ele. Macambúzio, não queria responder. Parecia sentir-se muitíssimo incomodado com essa súbita popularidade. Não dava razões coerentes.
"Mas ele é analfabeto!" diziam-lhe
"Não vai ser ele que vai governar, tem um pessoal que vai fazer o serviço"
Devia estar se referindo ao Zé Dirceu e a cambada de ptrambiqueiros.
"Ninguém sabe o que esses caras vão fazer, tem mentalidade de funcionário público e querem estatizar tudo para meter a mão em um bolo maior. Lembra da privatização das teles? Antes conseguir um telefone era impossível e ligar para o exterior custava 5 dólares por minuto, agora..."
"Eu não ligo para o exterior."
Assim seguia a conversa. Fiquei com mais pena ainda do Abelardo. Estava cada vez mais encolhido, encolhido, até que explodiu inesperadamente.
"Vocês querem saber por que vou votar no Lula?" - disse, quase gritando.
"Não é por que ele vai melhorar o Brasil. É claro que não vai. O cara é um lixo, e o PT só sabe fazer baderna. Mas vou votar assim mesmo, e sabem por que?
O silêncio era estarrecedor. Abelardo tinha se descontrolado...
"Porque eu estou desempregado há anos. Nunca consegui um emprego em minha vida. Vocês tão todos aí, numa boa, e eu estou ferrado. E não tem jeito, vou contiuar ferrado. Não pensem que eu acho que o Lula vai gerar empregos não, é claro que não vai. A economia não vai melhorar com ele, pelo contrário. Mas voto nele. Voto porque quando ele fizer o que ele quer fazer ninguém mais vai ter emprego, vocês vão estar tão ferrados como eu estou agora e vão sentir na pele o que é a minha situação. Por isso voto no Lula."
A mulher do Abelardo não sabia onde se enfiar. Todos os demais olhavam para o lado, desconversavam... Nada adiantaria. Abelardo tinha um motivo mais do que lógico para votar no analfabeto: queria que o Brasil inteiro descesse até seu nível. Isso é o que eu chamo de um voto consciente...
Esses são os tres votos do Lula. O desafiador é também o 'formador de opinião'. Esqueçam aquela história besta de que a classe média educada é formadora de opinião... isso já era. A classe média mal existe. A divisão entre pobres e ricos no Brasil faz com que cada uma das 'castas' tenha seus próprios formadores de opinião... a classe média não conversa com favelados. O 'covarde ressentido' é a maioria absoluta, fará o que tiver que fazer para levar uma vantagem, mas um dos valores nítidos que percebe é o de se vingar dos patrões que o subjugam. Ele se sente continuamente humilhado pelos poderosos e o Lula, incentivando a divisão, incita este a votar 'contra' o patrão.
Tanto o 'desafiador' como o 'covarde ressentido' vivem à margem do Estado. Não se pode nem dizer hoje que o Brasil esteja presente em uma favela ou vila onde 'a polícia não entra'. Isso já é um estado paralelo. Quem garante a segurança lá? As máfias. O PCC almeja ser o principal desses estados paralelos. Para quem não sabe, organizações terroristas do tipo Hamas tem braços assistencialistas, cuja função é ganhar as almas dos miseráveis que vivem nesses estados paralelos. Assim, a segurança é por conta da máfia, e a creche também. O PCC já está fazendo isso. Responde pelo simpático apelido de "Pessoal". O "Pessoal" arranjou a creche. O "Pessoal" está cuidando da segurança na favela. Claro que nesses lugares existe a pena de morte, mas ninguém se importa. Como o 'desafiador' disse: o 'tráfico' perguntou pra dona Marta...
O 'espírito de porco' transcende as classes sociais. Ele existe e é abundante em todas elas. Simplesmente dá um sabor bem brasileiro à máxima: "Se não consigo subir, trato de derrubá-los." Este poderia ganhar um pouco se entendesse o simples fato de que derrubando os demais, todos descem.
Só há uma saída, portanto: ganhar os 'formadores de opinião' e entrar no estado paralelo. Só assim, só se o Brasil se converter em uma Nação, cujo poder é reconhecido e único e a justiça funciona e é uma só, somente assim será possível puxar eleitores pela orelha e fazê-los subir, todos juntos, rumo ao progresso.
2 comentários:
Zappi:
Grato pelo seu comentário no meu bloguinho e aqui estou conferindo a sua sugestão de leitura. O que vc coloca é razoável. E concordo. Mas, embora praticamente liquidada, ainda há um pouquinho de classe média no Brasil. Talvez mais quatro anos de Lula, com um arrocho fiscal que aumente a alíquota do IR na fonte, daí então realmente a classe média desaparecerá por completo. Entretanto, deve-se assinalar que a classe média é o locus onde emerge os professores, os intelectuais, os empresários, os técnicos, os cientistas, os oficiais militares...Portanto, ainda se tem uma pequena parcela dessa classe e que pode influir em termos eleitorais. E tanto é verdade que os estrategistas de Lula tentam, de alguma forma, armar um discurso para essa parcela da sociedade. Vamos ver.
Cordial abraço do
Aluízio Amorim
Paulo, acredite se quiser, a "claque" arrebanhou mais um sem número de tipos que votarão no Noço Guia. Lavagem cerebral, do tipo crente evangélico, tem de monte. Raivosos (desde sempre) e com dores fundas, fazem verdadeiras "transferências" no sentido freudiano do termo. Não gostam de ninguém, nem de si mesmos. E há os que efetivamente acreditam no homem. Não me pergunte, não vou saber responder, mas existem. A esmola fez escola por aqui. Continuo sonhando com Paris.
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