Estou re-editando um post antigo que fez sucesso, sobre Richard Feynman e sua visita ao Rio em 1953. Tive a grata surpresa de saber que o livro que mencionei lá está sendo editado pela primeira vez no Brasil, sob o nome "O SENHOR ESTA BRINCANDO, SR. FEYNMAN? e pode ser comprado através da Livraria Cultura. Basta clicar na capa:
As notas de aula de quando Feynman esteve no Rio de Janeiro estão aqui:
O livro vale mesmo a pena. Além de contar algo de sua visita ao Brasil, ele cita alguns interessantes eventos ocorridos nos bastidores do Projeto Manhattan, o codinome do esforço de pesquisa que resultou no desenvolvimento da primeira bomba atômica, na segunda guerra. Segue o meu post.
Nunca ajude a quem não pede ajuda
Era claramente uma idéia genial. Usariam fundos de entidades internacionais para promover a cultura, promover o intercâmbio de idéias. No mundo pós-guerra acreditava-se que essa seria a melhor maneira de evitar os horrores que decorreram da falta de entendimento, das diferenças culturais.A Ciência seria o meio ideal. Como está baseada no método experimental, até os mais recalcitrantes místicos tem que, no fim, concordar com os resultados, se seguirem preceitos lógicos. O estímulo ao ensino de ciência era a forma de estimular o pensar, erguer a humanidade a um novo patamar. Não poderiam ter sido mais nobres as intenções.
A idéia era enviar professores de grande prestígio a países sub-desenvolvidos. Esses professores lecionariam em universidades por um ano e voltariam para seus países de origem. Os seus salários seriam subsidiados por organismos internacionais, efetivamente transferindo riqueza intelectual para lugares que jamais teriam como contratar gente deste gabarito. Nada poderia sair errado. Era uma idéia perfeita.
Um deles, o Professor Richard Feynman, adorou a idéia. Ele ganharia posteriormente um premio Nobel em Física e estava em um ano sabático. Queria mudar de ares. Pensou em aprender Espanhol, mas viu uma moça bonitinha entrando em uma aula de Português... e entrou na sala. O Rio de Janeiro o seduzia. Não teve dificuldade em conseguir a transferência para uma universidade carioca. O ano era 1953.
Feynman, para quem não sabe, era um tipo especial. Como professor, sempre aparecia com novidades sobre como atacar um problema, remanejar matematicamente, virar tudo pelo avesso, sempre de alguma maneira que fizesse sentido. Era entusiasmado com a vida, apesar de ter sofrido bastante. Casou-se com sua paixão da adolescência, que morreu imediatamente depois. Mesmo assim era um tipo que enxergava tudo de maneira positiva, comunicava-se claramente e entusiasticamente e tinha uma força vital impressionante. Era muito querido por seus alunos, e formava-se naturalmente uma turma ao redor dele. Uma turma que compartilhava de seus anseios. Há um filme baseado na vida dele. Nunca assistam. É uma porcaria. Matthew Broderick é um ator de quinta categoria, e ele é quem faz o papel de Feynman. Em lugar do filme, leiam os seus livros. Um dos mais interessantes é "O senhor está brincando, Sr Feynman?". Quem gosta de Física pode se deliciar com suas "Lectures". É um gênio de primeira grandeza, e sempre se pode aprender com eles. Mas há uma coisa fenomenal em Surely you're joking. Algo que notei, mas nunca tinha pensado em profundidade até ver o fenômeno claramente descrito no livro.
Bom, como dizia, era 1953. Feynman fica encantado com o Rio. Surge então um problema misterioso quando começa a dar aulas. Há uma debandada geral de alunos. Eles vem mais tarde, em um pequeno comitê, para explicar que eles não fariam as lições pois eram muito simples e eles teriam que estudar para materias do curso (esta era fornecida como optativa). Então, Feynman, que não entendeu direito como as coisas funcionam no Brasil, tratou de passar tarefas mais difíceis. Nada deles fazerem.
Notou que só dois ou tres alunos assistiam ao curso e faziam o que era pedido. Quem quiser as notas de classe daquela época veja aqui. Notou também que nenhum destes tinha estudado anteriormente no Brasil. Eram estrangeiros ou filhos de estrangeiros. Intrigado, começou a estudar mais profundamente os métodos de ensino no Brasil. Notou que a maior parte dos outros, que pareciam bons alunos, eram na verdade papagaios que estudavam para atravessar as provas. Todo o sistema era construído para esses, que na verdade não aprendiam: decoravam. Ele verificou com cuidado o tipo de prova que era oferecido e por que não se detectava o problema. Notou também que ninguém tinha interesse em mudar nada. Os alunos estavam satisfeitos. Os professores também.
Frustrado, em seu discurso final, na formatura, explicou, em Português: "No Brasil não se ensina Ciência".
Todos ficaram assustados. O que ele estava fazendo? Explicou a reação dos alunos e dos outros professores, descreveu com cuidado os problemas que encontrou. Tudo o que conseguiu foi desencadear fúria dos acadêmicos, dos patrocinadores, dos jornais, de todo o mundo.
Feynman sentiu que tinha a responsabilidade de avisar, de contar a todos o que ele viu. Foi ignorado soberanamente. Esse lugar é de uma arrogância incrível... Este professor que até aprendeu Português, foi batucar na escola de samba e tentou com toda a sua força ajudar... só foi atacado. Eu, que teria adorado fazer um curso com ele, entendo bem o que ele quis dizer. 30 anos depois, nada mudou. 50 anos depois, não sei, mas apostaria que tudo continua igual, se não tiver piorado.
O grande erro é, como uma vez um amigo comentou, que não se deve ajudar a quem não pede ajuda. Isso é tão comum... você vê os erros, sabe resolver, mas quem erra não tem interesse em ser ajudado. A verdade é que a primeira etapa para a melhora é sempre o reconhecimento do erro, baixar a crista. A solução vem da vontade de resolver, e aí, nesse instante uma mãozinha vem a calhar. Eu acho que no caso desse país o reconhecimento está demorando muito mais do que devia.
3 comentários:
Oi, Paulo, nossa, parece que já faz um tempão que eu não venho aqui. Tenho certeza de já ter lido esse post e acho que não foi aqui. Provavelmente alguém reproduziu. Mas vou aproveitar para ler o que ainda não li.
Você leu, sim, só que aqui
Eu reproduzi o mesmo post porque o livro do Feynman foi finalmente publicado no Brasil. Havia já uma versão portuguesa do mesmo, mas a versão brasileira está na primeira edição. Para quem não leu, vale a pena comprar.
Um abraço,
Zappi
Oi Zappi,
Como eu te falei antes, eu comprei o livro e já li o outro - What do you care what other people think. Excelentes!
Eu não sabia que já existia em Português. A impressão que eu tive depois de ler as histórias é de que tudo o que acontece é uma oportunidade de se aprender algo, basta não ter preguiça. Isso fica nítido nas histórias do cofre, das formigas, da "frigideira", do desenho, enfim, do modo de como ele encarava as coisas.
Gostei bastante.
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