2007-10-03

Generosidade sincera

Ele se sentiu mal subitamente. Sua mulher o levou para o hospital. Um médico de plantão o atendeu. As possibilidades eram muitas, o médico tinha que ter certeza. Mandou-o imediatamente para fazer uma tomografia de ressonância magnética.

A parte visível do impressionante aparelho era um tubo onde alguém mais gordo talvez nem coubesse. Ele foi colocado em uma maca e recebeu instruções precisas: "vou lhe pedir para respirar, segurar o ar, expirar, por favor siga as instruções à risca"

O aparelho, de alguma maneira misteriosa, mágica, consegue penetrar pelo corpo do doente e diferenciar tecidos e órgãos. Essa máquina enxerga o que nenhum ser humano poderia, nenhum animal, nenhum médium. Ela vê cada órgão do corpo em 3 dimensões.

O nosso doente não pensou nisso. Sentia-se mal. Torcia para que o médico descobrisse logo o que ele tinha e para que o curasse.

Se pensarmos na impressionante seqüência de eventos que possibilitou ao nosso paciente utilizar a máquina mágica, temos que começar com Leonardo da Vinci. A sua curiosidade científica impressionante o levou a cortar cadáveres para lhes estudar a anatomia. Alguns de seus desenhos anatômicos são considerados obras primas nunca superadas. Leonardo tinha que trabalhar escondido, sempre temendo que as mentes atrasadas da época o descobrissem. Isso porque a profanação de cadáveres era considerada um crime muito grave. Leonardo correu os riscos, deixou o seu generoso legado que sobrevive até hoje. Os religiosos estavam errados, Leonardo foi um herói que ajudou a aumentar o conhecimento humano.

O conceito de experimentação desenvolveu-se a partir de Galileo, que decidiu que a doutrina Aristotélica propagada pela religião Católica estava errada e precisava ser reformada. Um dos responsáveis pela cristalização desta doutrina como dogma da igreja foi o teólogo Tomás de Aquino. Galileu enfrentou a igreja por puro amor à verdade. Não tinha nada a ganhar pessoalmente. Sua generosidade infinita nos deu um livro que foi posteriormente a base das ciências físicas (Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze) que foi escrito em segredo após a condenação de Galileu e contrabandeado para a Holanda. Galileu estava certo, Tomás de Aquino errado. Galileu acrescentou às nossas vidas muito mais do que ele próprio imaginava.

Poderia continuar por horas, mas vou fazer um atalho até o século vinte... senão este post vai se tornar um tratado da história da ciência ocidental...

Um físico sul-africano, Allan McLeod Cormack, e um engenheiro inglês, Godfrey Hounsfield, conseguiram usar os raios X já descobertos pelo alemão Röntgen no início do século para gerar imagens tridimensionais de órgãos internos. A foto mostra o desenho do primeiro protótipo, feito por Hounsfield. A revolução causada pelo tomógrafo de Cormack e Hounsfield levou-os a receber o prêmio Nobel de 1979 pelos seus esforços. Ah, vocês dirão, esta gente estava sendo paga para desenvolver o tomógrafo... A verdade é que nenhum dinheiro no mundo pagaria a quantidade imensa de vidas que o tomógrafo salvou. Estes dois pesquisadores não eram ricos. A sua generosidade não esperava recompensa, era sincera busca pelo saber.

Entretanto o tomógrafo do nosso doente não usa raios X. Utiliza uma propriedade dos núcleos atômicos quando submetidos a um campo magnético que, à primeira vista, não poderia gerar imagens detalhadas como as que gera. Paul Lauterbur e Peter Mansfield receberam o prêmio Nobel de Medicina de 2003 pelas invenções e idéias que tornaram o a ressonância magnética uma ferramenta ainda mais fantástica do que o tomógrafo.

Graças a este equipmanento o problema do nosso amigo foi diagnosticado e curado. Ele faria bem em pensar nos que generosamente doaram suas vidas para salvá-lo. Bem perto dele talvez exista alguém que agora mesmo está descobrindo as tecnologias de amanhã. Com um sincero amor pela verdade no coração.

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