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Há uma antiga tradição chinesa que diz que toda a família terá azar eterno se o patriarca morrer sem deixar um neto homem na linha de sucessão. Ou seja, o chinês tem que ter um filho homem, e esse filho deve ter por sua vez um filho homem para que a má sorte não arruíne a família.
A princípio poderia parecer uma crendice inofensiva. Entretanto muitíssimos chineses a levam a sério até hoje, com resultados desastrosos. O que poderia entretanto ser tão terrível nessa forma de pensar?
Imaginem que o patriarca da família tenha uma filha menina. Imediatamente tem que tentar outro, ou a linha sucessória se interromperá... só serve o filho do filho. Aí, que azar! Outra menina, e outra. Isso acontece. O quarto filho é um menino. Ótimo! Agora o patriarca se preocupa em casá-lo o mais rápido possível. Quem sabe aos 17, afinal não há tempo a perder... Aí... outra menina. Tentou de novo e... finalmente, um menino.
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Parece engraçado, mas não é. Em meros 21 anos, essa família gerou 6 descendentes, só para evitar má sorte. O problema é que isso acontece na China e outros países do oriente. Superpovoados e pobres. Adivinhem porque? Cada geração faz a mesma coisa, repetindo a tradição, sem pensar.
Alguns dirão que exagero, que não é bem assim. Eu já vi isso acontecer em mais de uma ocasião. O que é mais interessante: quando confrontamos um chinês com o absurdo da sua crendice ele fica ofendido. Diz que não é crendice, que é importante. Que é coisa séria. Que o espírito da família é transferido aos primogênitos e que... Como se não fosse óbvio para qualquer um que essa crendice é estúpida! Acreditem: essa besteira hoje é responsável pelo fato da China ter um quarto da população mundial. Uma divertida ilustração do problema encontra-se no ótimo filme de Ang Lee
"Banquete de Casamento".
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É mais difícil perceber quão perigosas são as crenças quando nós somos os que acreditamos. Vou citar como exemplo a famosa linha tão repetida ultimamente de "A vida começa após a concepção". Isso é o que dizem todos os contrarios à descriminalização do aborto. Para começar, é mentira. Tanto o óvulo como o espermatozóide que participaram na "concepção", ou seja, na fertilização do óvulo, estão vivos.
Ah, dizem os que defendem essa crendice,
mas só é vida 'humana' após a fertilização. Humana? O que tem de humano em uma célula? Quando coçamos a cabeça milhões de células são mortas e ninguém reclama. Um óvulo fertilizado é uma célula, sem cérebro, sem sentimentos, sem sensações. Só um louco acharia que está cometendo um crime destruindo tal entidade. Não há sofrimento algum envolvido. Esta crença também não é inofensiva. Criminalizando o aborto, efetivamente condenam-se à morte milhares de mulheres que vão procurar auxílio em curandeiros, mulheres que ainda podem ser condenadas à prisão pelo "assassinato" que só existe na cabeça de quem crê que uma célula é um bebê.
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Há muitas mais crendices aparentemente inofensivas mas que na prática causam milhões de mortes. Por exemplo, a crença de que camisinha é pecaminosa e não deve ser usada, ou a de que anticoncepcionais são contra os desígnios de um ser supremo. Alguém tem alguma idéia do sofrimento e do mal que essas crenças, espalhadas de maneira indiscriminada por uma igreja que oficialmente prega a 'bondade' estão causando? Mascarando-se de boa e querendo impor uma moralidade irreal e falsa, efetivamente espalha a AIDS pela África e pelo mundo. Qualquer pessoa que usa o cérebro nota imediatamente.
Há outra crendice, muito popular no Brasil e no Irã. É a crença de que a "fé" é uma virtude. Fé não é nada mais do que acreditar em algo sem evidência, desligar o próprio julgamento crítico para poder aceitar algum conceito imposto. Qual o problema desta crença? Ela anula o pensamento. Isso é muito mais grave do que pode parecer. Descrevo um exemplo das conseqüencias terríveis de tomar a fé como uma virtude.
No Brasil o aborto é permitido em casos de anencefalia, defeito genético fácilmente diagnosticável ainda na gravidez. O resultado da anencefalia é o nascimento de um monstruosidade horrenda: um ser com todos os órgãos, exceto o cérebro. Ele nunca vai poder pensar, ele nunca vai enxergar, ele nunca vai ouvir, na verdade nem vai sobreviver pois até o ato de engolir é determinado pelo cérebro. Jamais desejaria a ninguém ter tal desgraça na família. Quem já viu essa monstruosidade sabe do que estou falando. Pois bem, até alguns dos mais ferrenhos opositores ao aborto são a favor quando ocorre esta desesperante e trágica condição.
Uma agricultora, extremamente ignorante e católica, decidiu que mesmo podendo fazê-lo, não abortaria o seu filho defeituoso. Entendo que isso é um direito de opção, a mãe tem o direito de decidir o que vai fazer em uma situação como esta. Pergunto-me, entretanto, se essa mulher foi devidamente informada sobre a monstruosidade que estava gerando. Acredito que não.
O impressionante vem agora: os que defendem a fé como virtude pularam em cima dessa desgraça pessoal e chamaram a decisão dessa mulher um "exemplo moral" (veja
aqui). Pensei inicialmente que talvez fosse um engano, mas artigos subseqüentes me fizeram perceber que não era. É só uma conseqüência de achar que a fé é uma virtude e achar que o pensar não o é. Na defesa dessa decisão baseada na ignorância aproveita para atacar a ciência, fazendo pouco caso dos avanços que proporcionam a melhora na qualidade de vida das pessoas. O sofrimento dessa mulher é um sofrimento inútil, proveniente da própria ignorância e explorado pela religião. Os
cafetões da pobreza são necessariamente também cafetões da ignorância.
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Eu não dou procuração para ninguém pensar por mim. Se estou errado, admito. Não há bem mais valioso no mundo que a capacidade de pensar por si próprio. Quem defende a fé merece a minha repulsa, pois insidiosamente insere no mundo a idéia de que pensar pode não ser bom, aliviando a consciência dos que tem a mente preguiçosa. Sem contar que o conceito em si é ridículo. "Fé" simplesmente significa dar uma procuração para algum religioso pensar por você. É a base da carolice ou do islamismo radical. É também a base do lulismo.
"Tenho fé em Deus e no Lula, a nossa vida vai melhorar, tenho muita fé". Colocar um ignorante como presidente é um ato de suprema fé, sem dúvida. É como santificar a ignorância da mãe da criança sem cérebro.
Quando criticamos os políticos brasileiros que se aconchegam ao Lula, sabemos por que o fazemos. Eles pegam carona no carisma que o Lula tem com os ignorantes. Ideologicamente parecem seguir a um Deus, quando sempre dizem "sim" cegamente a quem detêm o poder. Não há diferença entre estes e os que lambem as sandálias de alguém cujos ensinamentos são absurdos e contraditórios, só porque ele é o chefe supremo de uma grande e poderosa seita religiosa. Moralmente ambos são equivalentes. Ciro Gomes pertence à primeira categoria. O Reinaldo Azevedo à segunda.
Fé e ignorância andam sempre bem juntinhas, de mãos dadas. O nosso salvador não virá através de quem estimula a fé em detrimento do conhecimento. Não dêem procuração para ninguém pensar por vocês. A nossa salvação só pode vir de nós mesmos.